segunda-feira, 28 de maio de 2012

Casos de um país na bancarrota


I

Há cerca de 15 dias, Domingos Ferreira (Professor e investigador da Universidade do Texas – EUA – e da Universidade Nova de Lisboa), em artigo no jornal Público, alertava para o cancro que eram as Parcerias Público -Privadas (PPP). Dizia que se esse caso fosse solucionado, o País rapidamente saía da bancarrota.
Nem de propósito, o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, que recentemente lançou um livro onde demonstra onde o Estado nos leva o dinheiro (que pouca gente leu), Sexta-feira (25), foi ouvido na Comissão de Inquérito Parlamentar às Parcerias Público – Privadas. Fez a mesma denúncia. Disse: “Ninguém pode pôr as mãos no fogo pelo verdadeiro valor dos encargos com as PPP”. E, segundo os valores oficiais que existiam quando abandonou o seu cargo em 2010, os encargos brutos situavam-se nos 48 mil milhões (pasme-se!) para o período de 2014 a 2024, equivalendo a um custo de 1,6 mil milhões de euros ao ano (continue-se a pasmar). Denuncia os parlamentares (deputados) por nunca ter sido chamado para explicar o facto. As razões do descalabro são muitas: “Sobrestimativa dos benefícios”, “ausência de comparação” com a realização da obra feita pelo Estado, “falta de transparência e responsabilização”, “défice na capacidade de gestão e de fiscalização”, entre outras. Demonstrou o juiz, a existência, em alguns contratos, de “benefícios-sombra” para os parceiros privados. E deu como exemplo os casos da Lusoponte e das antigas Scut. Vantagens que potenciavam a “rentabilidade do concessionário sem que o Estado nada aproveitasse”. Mesmo “os pagamentos dos parceiros privados aos consultores que os apoiavam recaíam sobre o parceiro público [Estado] - Isto já é assombro, ultrapassa o pasmo! - .
Feito o diagnóstico, recordando os sacrifícios impostos aos portugueses, o juiz Carlos Moreno conclui que ao Governo nada mais restava senão reduzir os custos (do Estado; rentabilidade dos concessionários) com as concessões entre os 11 e os 14%. E caso os concessionários tentassem travar esse objectivo, o Juiz aconselhou os governantes a responder com a pressão da opinião pública. Disse: “Deviam dizer quais as empresas concessionárias, quais as construtoras, quais os sindicatos bancários dispostos a fazer o sacrifício. Os que não quisessem teriam de ser denunciados publicamente pelo poder”. E acrescentou, sobre essa justa medida de repartição de sacrifícios: “Ver PPP em que as taxas de rentabilidade atingem os 8 e os 13% é chocante e desumano para todos aqueles que sofrem na carne o flagelo de viver com 300 ou 400 euros”.
Nessa Comissão, foi ainda referido por Mendes Bota, um recente relatório do TC em que 9 juízes declaravam que, durante o Governo de José Sócrates, lhes havia sido “escamoteada informação”.
Fizeram-se várias perguntas ao juiz Carlos Moreno e todas terminavam com a pergunta sobre se os governos de José Sócrates eram responsáveis por esses desvios.

Comentário:

Para um país que está na bancarrota, em grande parte provocada por este tipo de coisas, a imprensa seria mais útil ao País que deixasse as guerras de “Alecrim e Manjerona”, e investigasse a fundo as questões que levantou Domingos Ferreira, o juiz Carlos Moreno e o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. Investigá-las a fundo, e contribuir para o julgamento justo dos prevaricadores, como se fez na Islândia.

II

Há uns tempos, numa sessão do programa «Opinião Pública» da SIC Notícias foi ouvido o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro sobre corrupção. Depois de responder, conclui: “Em Portugal, as leis são feitas exactamente para não ser possível apanhar as pessoas em situação de corrupção...”.
Dizia: “Temos normas que tornam totalmente impossível apanhar um corrupto em Portugal. As normas são feitas exactamente para não ser possível apanhar as pessoas em situação de corrupção e não se conseguir provar em tribunal. Estes casos todos, que estão em tribunal, não vão dar em nada, mesmo que eles fossem filmados no acto de corrupção, seria difícil provar em tribunal com as normas que temos, quanto mais com advogados competentes (do lado dos corruptos).
Por outro lado, temos o Ministério Público que está organizado, (e que sem culpa disso), para não conseguir investigar a corrupção. Também a polícia judiciária não tem meios para investigar a corrupção.
Se juntarmos a isto, tribunais pouco treinados e normas que não funcionam, então isto é o paraíso dos corruptos.
Aliás, todos nós conhecemos casos, ao longo do país todo, de fortunas inexplicáveis que continuam inexplicáveis e que apareceram de repente, após o exercício de cargos políticos ou em ligação com o Poder.
… Agora, um conjunto enorme de medidas em vez de normas claras e transparentes sobre o que é que é a corrupção, e isto não é difícil de fazer, bastando para tal copiar o que existe, por exemplo, nos cinco países menos corruptos do mundo, são normas que são muito transparentes, são normas que, ao contrário do que aqui está previsto, não se aplicam a toda a população portuguesa. Aplicam-se só a detentores de cargos políticos, por isso são muito mais focadas naqueles que têm o risco de praticar a corrupção e permite, por isso, um enfoque muito mais fácil da polícia judiciária, do ministério público, dos tribunais e dos outros órgãos de fiscalização.
… Todos nós sabemos que muita gente sai dos cargos públicos, políticos, e depois vai para a frente de grandes empresas e alguns deles criam grandes fortunas, quer dizer, tudo coisas que são inexplicáveis e inaceitáveis em sociedades civilizadas, excepto neste país, onde se pode bater sempre no contribuinte mas tratamos maravilhosamente bem os corruptos…
Eu espero que isto não seja mais uma vez o que tem sido feito, que sempre que eles alteram as normas de corrupção, tornam-nas mais incompreensíveis e mais impossíveis de aplicar pelos tribunais e pela investigação.
… Nós não temos um combate à corrupção. Temos normas de branqueamento, que é uma coisa diferente. Temos normas que permitem aos corruptos saírem de um julgamento todos praticamente ilibados...
Há casos que eu acho terríveis: as parcerias público-privadas e o BPN[1] são de certeza casos de polícia, são dois casos paradigmáticos em Portugal”.


http://www.youtube.com/watch_popup?v=RNr1eOhA4qE


III

Enviaram-nos esta foto com a montagem de texto, via internet. Não tivemos tempo de confirmar (mas temos vaga recordação de o ter lido) porque não tínhamos os textos à mão. Mas confiamos em quem no-la enviou. Foi pessoa amiga das esquerdas. Daquelas esquerdas radicais, da paulada (por vezes do folclore), e coisas assim. Ainda por cima, acompanhada com o seguinte comentário: “Não foi por falta de aviso...”.

IV

Lá voltamos ao velho Marx. Na verdade, quando Karl Marx escreveu O Capital, a vida laboral nas cidades industriais do século XIX era duma atrocidade inconcebível [estamos quase lá]. Uma jornada de trabalho correspondia a 12h diárias! E as próprias crianças tinham de a cumprir! Esta questão foi bem descrita no grandioso romance de Emílio Zola, Germinal.
É certo que se enganou nas conclusões principais [Como comentou Rosa Luxemburgo - retome-se A Acumulação do Capital - 1913], e que o marxismo levou a um sistema hediondo na antiga União Soviética (Estalinismo), mas retomemos esse seu livro mais conhecido. Tem momentos admiráveis, principalmente quando o velho Marx cita outros autores para sustentar os seus argumentos. Anote-se o seguinte quando refere Bertrand de Mandeville: “ Mas é do interesse de todas as nações ricas que a maior parte dos pobres se mantenha ocupada e que despenda sempre tudo quanto ganha …Os que ganham a vida pelo trabalho quotidiano só são serviçais porque as necessidades lho exigem; é portanto de boa politica aliviar essas necessidades, mas seria loucura eliminá-las … Numa nação livre em que é proibida a escravatura, a riqueza mais segura reside na multidão dos pobres laboriosos. Para que a “sociedade” (quer dizer, naturalmente, os não-trabalhadores) seja feliz, para que o povo viva contente mesmo numa situação miserável, é preciso que a maioria continue ignorante e pobre. O saber aumenta e multiplica os nossos desejos, e, quanto menos um homem desejar, mais fácil é satisfazer as suas necessidades” (p.423).
Marx, considera Mandeville um “homem honesto e dotado de uma inteligência clara”, mas entende que este não compreende o processo de acumulação. Este aumenta ao mesmo tempo que o capital e “a massa dos pobres laboriosos”.
Nestes momentos, Marx é astuto. Cita agora Adam Smith (Riqueza das Nações): “ O espírito da maior parte dos homens desenvolve-se necessariamente a partir das e pelas suas ocupações de cada dia. Um homem que passa toda a vida a desempenhar algumas operações simples … não tem oportunidade de exercer a inteligência…” (p. 330), tornando-se um ser estúpido.
Não podemos, contudo, deixar de mencionar uma autêntica pérola. Proferida por Bertrand de Mandeville, citada pelo velho Marx: “ Se de vez em quando um indivíduo, à força de trabalho e de privações, se eleva acima da sua situação em que foi criado, ninguém o deve impedir” (p. 422)[2].
E poderíamos ir por aí fora, ora citando os que Marx cita, ora citando Eça, Junqueiro, Fialho, … e porque não outro marxista, Berolt Brechet e a sua peça teatral, A Ópera dos Três Vinténs!

V

Uma ameaça é sempre eticamente reprovável. A não ser que seja feita entre brincadeira de Amigos. Temos dúvidas quando esta é proferida por alguém que se sente (e sabe) injustiçado. E também depende do tipo de ameaça. Mas quem nunca a fez? Seja na infância, na adolescência ou na juventude? Sabendo que é sempre uma coisa inútil. Porque se não se concretiza, não serve de nada e para nada, se, pelo contrário, se concretiza, sofrem-se as consequências.
Há quem diga que quem a faz incorre em crime. A nossa formação não é de jurista, por isso nos ficamos com o “eticamente reprovável”. Não passando disso. Já a sua concretização é condenável. E criminosa. E o caminho para a sua concretização pode ser longo ou curto. Houve dois casos recentes em que foi muitíssimo curto. O de Manuela Moura Guedes, à época pivot da TVI, e o de José Manuel Fernandes, ao tempo director do jornal Público. Ambos foram despedidos e a interferência foi a mesma: José Sócrates.
Não tivessem relações e meios de manter o nível de vida, teriam sido completamente trucidados. Apesar de tudo, danificou-lhes brutalmente parte da alma!
Não tiveram a mesma sorte outro tipo de profissionais. Foram brutalmente trucidados. Destrui-lhes o talento. E a vida, roubando-lhes a dignidade pessoal e profissional. Mantiveram resquícios da alma intacta. E estes é que os mantêm atentos às alarvarias (ou alarvices) que persistem do consulado desse ignaro “político”.




[1] A este respeito, é bom que se consulte o que Miguel Cadilhe tem dito e escrito.
[2] Utilizou-se uma pequena compilação popular, prefaciada por Pacheco Pereira (PRISA INNOVA S:L, 2008).

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