segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Europa


O Rapto de Europa - Francesco Zucarelli ( 1702-1788)
O rapto por Zeus em forma de touro e a violação da heroína mítica é um tema sobejamente estudado. O que interessa aqui, é interpretar esse arquétipo, aplicado ao mito de Europa. Heródoto (séc. v a.C.) interrogava-se sobre a relação entre a figura mitológica e o nome do “velho continente”. Perguntava o historiador grego por que razão teria sido dado o nome da heroína asiática a esse território. A Europa, para os geógrafos antigos, designava, por oposição à Ásia, as terras do outro lado do Mediterrâneo, a ocidente. Tudo indica, portanto, que a origem lendária literária da civilização europeia é oriental. É bom não esquecer que o alfabeto grego foi uma adaptação do alfabeto fenício. Povo que, estabelecido nas costas da Síria, dominou as zonas orientais do Mediterrâneo muito antes dos Gregos.
O Mapa da Europa representada em forma de Virgem
coroada - obra quinhentista
de Heinrich B*unting - A Lusitânia é a coroa e a sua
cruz aponta para os Açores
Muitos estudiosos defendem que a Europa era uma deusa nocturna, na medida em que o seu nome se relaciona com o verbo semita “pôr”. Em Ugarite, uma cidade próspera, bem conhecida dos Gregos antes da sua destruição em 1190 a.C., foi encontrado um texto que refere uma “nossa Senhora, a deusa, a noiva velada…que chega ao pôr-do-sol”[1] . Na essência, este é o mito de Europa. A heroína fenícia, levada por Zeus para Creta, dando origem a uma descendência da qual hoje os cidadãos europeus encarnam os valores e os ideais[2].
Sob o ponto de vista geográfico, a Europa não tem fronteiras orientais. O que, na realidade, como nos indica Eric – Hobsbawm[3] faz com que o continente exista tão-só como construção intelectual. Seria, assim, apenas o prolongamento ocidental do continente asiático. A própria linha divisória cartográfica (os monte Urais, o rio Ural, o mar Cáspio, o Cáucaso), assenta numa divisão politica[4], quando, no século XVIII, V. Tatischev escolheu os Urais como fronteira entre a Europa e a Ásia, motivado pela vontade deliberada de pôr termo ao estereotipo da natureza asiática do Estado de Moscovo e dos seus herdeiros[5].
Titien, L'Enlèvement d'Europe
Seja como for, a Europa como a definiam os helenos, era delimitada por uma linha que atravessava as estepes a norte do mar Negro, separando-os, deste modo, dos povos que definiam como “bárbaros”. E apesar de ser uma construção, a Europa sempre existiu, desde que os gregos lhe deram esse nome. Mas não uma Europa homogénea, pois além de um circulo reduzido de clérigos que tinham recebido uma educação clássica, os países implicados na sua construção nunca pensaram em termos de Europa. Mesmo a primeira contra-ofensiva do Ocidente contra os sarracenos e os bárbaros não foi em nome do regnum Europaeum dos panegiristas carolíngios, mas em nome de um reino cristão (romano). Nunca houve uma só Europa. A diferença é fundamental na sua história. E a sua diversidade também o é para a sua existência. Os últimos 50 anos deviam ter-nos ensinado que as redefinições do “continente” não pertencem à história, mas à política e ideologia (que assinala a superioridade que uns sentem perante outros, considerados inferiores)[6]. O cristianismo, por exemplo, é uma parte da história europeia, mas nem por isso foi uma força de unificação superior a outras concepções peculiarmente europeias, como por exemplo, da “nação” e do “socialismo”.
A Europa, mais do que um continente, é um processo. De culturas. E é essa diversidade que explica os acontecimentos que conduziram à criação do mundo moderno e ao capitalismo que só na Europa se desenvolveram plenamente, contribuindo para a separação do Ocidente e do Oriente. Mas esse predomínio de 500 anos, ou essa Era[7] terminou. O mundo já não é eurocêntrico, como refere John Gillis[8].
Voltemos ao mito para podermos “interpretar” o futuro.

[1] PINHEIRO, Marília P. Futre, Mitos e Lendas, Grécia Antiga, Vol I, Livros e Livros, 2007, p. 218.
[2] Há, porém, quem associe o rapto de Europa a uma ocupação de Creta por parte dos gregos numa época remota, ou mesmo a um ataque à fenícia por Gregos originários de Creta. O que é, no entanto, plausível é que esta história está ligada ao ex oriente lux (a luz vem do Oriente) dos Romanos. Convém não esquecer que Zeus, deus do Céu, por vezes assimilado ao Sol, fecunda os grãos nas entranhas da terra. E está associado à lenda de Dánae, fecundada pela chuva de ouro. Concluindo, Zeus significa “brilho”, “luz”. Brilhar foi o que ele melhor soube fazer durante a sua existência mítica.
[3] Escritos sobre a História, Relógio D’Água, 2010.
[4] Como nos recordou em 1996, Bronislaw Geremek.
[5] Convém referir que a Rússia meridional faz parte da Europa há muito mais tempo do que várias regiões que hoje se incluem automaticamente na Europa, como sejam a Islândia e Spitsbergen. Sobre as quais os especialistas do século XIX discutiam acerca da sua classificação geográfica.
[6] Diremos mesmo, entre ricos e pobres. Entre os que têm acesso a luxos, à educação, e os restantes.
[7] A “era Vasco da Gama”, como lhe chamou o historiador indiano Sardar Panikkar.
[8] Future of European History.

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