No dia oito de Março ocorreu mais um massacre étnico-religioso na Nigéria. Foram mortas à catanada cerca de 500 pessoas (sobretudo mulheres e crianças, os eternos desprotegidos) de três aldeias cristãs. Os corpos do vil acto estavam espalhados ao longo de quatro quilómetros! Cerca de metade da população de Mogadíscio (capital da Somália, situada no Corno de África), avaliada em 1,7 milhões de habitantes em 2006, já abandonou a cidade, após duas décadas de um conflito que dilacerou o país. O massacre do Ruanda em 1994 ainda está presente na memória do mundo. A Nigéria, a Somália e o Ruanda retratam a realidade de África após o período das independências, na década de 60 do século passado.
Amin Maalouf, o autor do belo romance Samarcanda (Sábado, 2009), nascido no Líbano mas a viver em Paris, lançou recentemente uma incisiva e oportuna reflexão sobre os vários problemas no Mundo, em Um Mundo sem Regras (Difel, 2010), onde não deixa de abordar a “Questão Ocidental” e a “Questão Árabe”. Aliás na tradição de As Entidades Assassinas, um outro seu ensaio, hoje no programa de numerosas Universidades de todo o Mundo.
Em meados de Fevereiro passado lemos no jornal Público algo que se referia às actuais chacinas do Congo. Foi o primeiro reino abaixo do Equador que o homem europeu descobriu [se ignorarmos viagens antigas como a dos egípcios ao mundo okapi, narrada por Cláudio Finzi em Nos Confins do Mundo, ed. 70, 1982]. E já nessa altura esse gigante no coração de África não vivia em paz. No século XIX foi calcorreado por lendários exploradores, fascinados pelo mítico e mais poderoso rio de África: o rio Congo. Que serviu de inspiração para o romance de Conrad: No Coração das Trevas (Dom Quixote, 2009).
O Congo (país) tem uma história turbulenta. E Stanley (entre 1874-77) que iniciou a Competição por África, ter-lhe-á aberto as portas. Depois disso veio a brutalidade dos primeiros colonialistas[1], o caos pós-independência com governantes eleitos espancados até à morte, mutilados e deitados ao rio, ditadores corruptos pilhando as riquezas da Nação, as guerras de mercenários (Congo Mercenary, 1967), rebeldes apoiados no canibalismo e na feitiçaria.
Kasongo e Kisangani (antiga Stanleyville), outrora duas das cidades mais prósperas da África central, foram palco de episódios brutais como o massacre dos missionários e a violação das freiras, na Grande Revolta de 1964, narrados por V.S. Naipaul em Uma Curva no Rio, ou o primeiro levantamento indígena contra a potência colonial, liderado por Pierre Mulele, descrito por Barbara Kingsolver em Bíblia Envenenada.
Em 1960 é concedida a independência ao Congo. Patrice Lumumba, a primeira figura nacional congolesa a ganhar uma eleição, foi assassinado pelo regime de Tchombé, natural do enclave do Catanga. Sobre o que fizeram ao seu corpo só 40 anos depois se soube, graças ao Doutor Ludo De Witte (belga).
Mobutu, vigorosamente ridicularizado por escritores africanos, como o senegalês Boris Diop no seu notável romance Kaveena (Europress, 2008, p.36), criou uma cleptocracia e governou ditatorialmente de 1965 a 1997. Esbulhou o país das suas riquezas, pilhando as reservas nacionais a uma escala que ainda hoje os economistas não conseguiram avaliar pormenorizadamente. Executou publicamente os seus rivais e deixou o país falido, quando deposto.
Calcula-se que já tenham morrido nestes conflitos recentes, desde 1996, cerca de 5 milhões de pessoas!
A sensação que muita gente tem em relação a este gigante no coração de África, é que foi abandonado pelo Mundo! No entanto, as Nações Unidas fazem o que podem no meandro dos interesses internacionais. Mas a corrupção mina a convivência, o suborno está instituído e o respeito pelos valores é, de todo, inexistente. A escassa decência é ainda praticada por homens como Muke Nguy, vendedor de óleo de palma. O episódio é-nos narrado por Tim Butcher em Rio de Sangue (2009). Percorre 600 Km a pé, por trilhos sinuosos de floresta cerrada, sem água nem comida, para conseguir um lucro de 10 ou 15 dólares! Com o peixe do lago e sal que compra em Kalemie, obtém o mesmo lucro quando regressa a casa. Ou seja, percorre cerca de 1200Km a pé para ganhar entre 20 a 30 dólares!
Neste mar de lágrimas há ainda tempo para a música. Extraordinária, diga-se. Em 2009 foi dada à estampa (África Today, Junho, 2009) a noticia sobre os Staff Benda Bill[2], uma banda de músicos paraplégicos, oriunda das ruas de Kinshasa, a quem José Eduardo Agualusa dedicou uma das suas últimas crónicas na Pública.
in:Negócios de Valpaços, nº 360, 15 de Abril de 2010
in:Negócios de Valpaços, nº 360, 15 de Abril de 2010
Patrice Lumumba
Armando Palavras
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