Mário Adão Magalhães -
Jornalista
É completamente impensável que os jornais
deixem de chegar ao Interior do País
A VASP, distribuidora histórica de
publicações em Portugal, ameaça retirar-se de oito distritos do Interior já a
partir de Janeiro, como se a
informação pudesse ser desligada num interruptor e como se a Democracia
tolerasse silêncios impostos pela geografia. O anúncio abrange Beja, Évora,
Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança. Praticamente
todo um arco interior que há décadas luta contra o abandono. A empresa
justifica-se com a quebra continuada das vendas, com o aumento dos custos
operacionais e com a alegada impossibilidade de continuar a garantir a
logística. Mas, entretanto, cresce em mim a convicção de que Marco Galinha está
a fazer bluf, numa tentativa de transformar uma crise sectorial numa arma
negocial para arrancar apoios públicos.
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E não me parece, sinceramente, que a
distribuição seja assim tão inviável. Se fosse inviável, a empresa teria
apresentado números sólidos e soluções estruturais. O que há, na verdade, é um
estilo de gestão que prefere dramatizar para condicionar o governo, e que não
prima pela sobriedade nem pela simpatia pela Comunicação Social, especialmente
a Imprensa Regional. Não admira que muitos editores, jornalistas e agentes do
sector olhem para esta ameaça com desconfiança. Já viram este tipo de filme
outras vezes. As empresas invocam a inevitabilidade, colocam o País contra a
parede e, no final, o Estado lá abre os cordões à bolsa para “salvar” aquilo
que sempre se sabia que tinha de ser salvo.
Só que esta encenação tem efeitos reais,
gravíssimos e imediatos. Se a ameaça se concretizasse, milhares de pessoas
ficariam sem acesso diário às notícias. E não vale a pena fingir que a Internet
resolve tudo. Porque não resolve. Nas aldeias e vilas do Interior, há
populações envelhecidas, isoladas, com ligações fracas, caras ou inexistentes.
Para essas pessoas, o jornal impresso não é um luxo. É tão essencial como o
correio, a rádio local ou a farmácia. Cortar-lhes esse canal seria um acto de
terceiromundismo informativo, absolutamente inconcebível num Estado que se
reclama democrático e moderno. Seria, no limite, empurrar o País para uma
ignorância forçada, para um silêncio cívico perigoso, uma sombra fascistóide
que não se pode admitir nem tolerar.
As repercussões na Comunicação Social seriam
devastadoras. Ponto final. Jornais regionais, já por si fragilizados, veriam a
sua circulação cair a pique. Receitas desapareceriam de um dia para o outro.
Redacções inteiras fechar-se-iam. Muitos jornalistas, revisores, distribuidores
e trabalhadores do sector seriam atirados para o desemprego. E, com eles,
desapareceriam também as consciências cívicas, o sentido de pertença local, a
memória colectiva, a capacidade de escrutínio democrático. Porque um povo que
deixa de ser informado é um povo que deixa de se reconhecer como comunidade
política.
Eu, no meu gosto pessoal e de quem já leu
semanalmente cerca de duzentos títulos de jornais regionais e das Comunidades
Portuguesas, desejo que a informação em papel nunca acabe. Não por nostalgia
romântica. Mas porque o papel continua a ser um meio original, estável e
profundamente humano de comunicar. É um espaço de concentração, de permanência,
de leitura que não se evapora. E é falso - redondamente falso - que quem lê em
digital abandone o papel. Muitas vezes acontece o contrário: quanto mais
digital se consome, mais se procura o físico para compensar a dispersão. Por
isso, pensar que se pode desligar o papel como quem apaga uma lâmpada é irreal,
é pobre e é irresponsável.
O Governo, por seu lado, tem tratado esta crise
com uma ligeireza quase pueril. Há declarações formais, há frases feitas, há
atoardas sobre “mercado” e “liberdade empresarial”. Mas falta tudo aquilo que
deveria ser básico: a consciência de que o acesso à informação é um direito
fundamental, e de que compete ao Estado garantir que esse direito não depende
de densidades populacionais ou de rentabilidade contabilística. A actuação
governamental nesta matéria tem sido primária, facciosa e politicamente
estranha. E não pode continuar a ser. O Governo tem de agir. Não daqui a
semanas, não quando a VASP decidir. Agora.
É preciso travar esta ameaça antes que o
Interior comece a ouvir apenas o eco da sua própria solidão. Antes que o País
descubra, com fatal atraso, que permitir que os jornais deixem de chegar às
suas terras não é apenas falhar na logística. É falhar na Democracia.
E isto, sinceramente, é impensável. Eu, humilde
e estarrecedoramente, não consigo sequer imaginar.
Mário Adão Magalhães
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