Por Maria da Graça
LIVRO -SERRAR A VELHA POR DETRÁS DOS MONTES
ORGULHO E ENGULHO
Éramos vários amigos,
sentados à mesma mesa,
num café da capital;
cada um enaltecia
o que de melhor havia
na sua terra natal.
E eu que muito critico
a gente da minha raça,
mas que não deixo de ser
formado da mesma massa,
cedi também ao defeito,
comum a todo o sujeito
de além-Marão oriundo,
de dizer que os transmontanos
são os melhores do mundo.
Não tinha ainda acabado
o elóquio laudatório,
e já tinha concitado
contra mim o auditório:
se a gente de Trás-os-Montes
é assim tão singular,
então vais-nos explicar
porque é que são dessa terra
os maiores intrujões,
vigaristas e falsários
que enchem os noticiários
de jornais, televisões.
E citaram uma série
de nomes da roda alta,
de todos nós conhecidos
por andarem na ribalta.
Um libelo acusatório
impossível de esconder
e de ser contraditado,
que durante alguns instantes
me deixou encurralado.
Mas como era a minha terra
que estava posta em questão,
os meus genes transmontanos
entraram em combustão,
e atirei-me a defendê-la
com esta argumentação:
esse rol de meliantes
que foram aqui por vós
trazidos à colação,
no conjunto de habitantes
são uma ínfima excepção,
é nonada deletéria
que, por lá se sentir mal
no meio de gente séria,
foi impelida a sair
e rumar à capital;
ao passo que em vossas terras
existe grande escumalha
que não sai de lá para fora
lá vive alegre e contente,
porque tem quem a agasalha,
está no seu ambiente.
Depois da minha verrina,
os meus colegas baixaram
vários tons a concertina.
mas agora só pra nós
e que ninguém está a ouvir,
é custosa de engolir
esta vergonha que berra
contra a honra e o bom nome
da gente da nossa terra.
E daí pus-me a cismar
na urgência de limpar
e de forma eficiente
as nódoas do nosso pano,
deste cendal transmontano;
talvez o serrar da velha
não seja mau detergente.

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