O paladar também se educa, eis uma das máximas que aprendi na Sociedade Portuguesa de Naturalogia, associação classificada superiormente como instituição de utilidade pública. Esta expressão tem ainda mais premência nos tempos atuais, cada vez mais virados para os lucros proporcionados, direta ou indiretamente, por “nutrientes” viciantes. Afinal, o paladar também se deseduca. No campo dos produtos alimentares, isto é, por demais, flagrante. A crescente adição de açúcar nas conservas, gelados, bolos e até no pão, acaba por desvirtuar o sabor genuíno dos alimentos e criar hábitos com nefastas consequências na saúde dos consumidores. É claro que isto é um mero exemplo porque a prática repete-se nos variados produtos apresentados com desvairada garridice nas grandes superfícies e nas televisões, para seduzir incautos clientes. Verifica-se que o processo resulta, especialmente nas épocas de penúria económica. Para as cadeias dos grandes supermercados, crise não existe, pois arrecadam continuadamente chorudos lucros.
Voltemos à sacarose e aos seus excessos. Vamos
imaginar como seria a comida das pessoas em tempos recuados. Sabemos que a
escassez de géneros à disposição estimulava a criatividade na elaboração das
ementas. Indubitavelmente elas basear-se-iam na combinação dos principais sabores:
ácidos, picantes, adstringentes, doces, salgados, amargos… Quer-nos parecer
que, em particular, o sabor amargo tinha então uma importância fundamental como
fator de equilíbrio no processo da digestão, o que hoje não acontece.
Atrevo-me a transmitir esta opinião pessoal que pode,
naturalmente ser contestada por quem sabe mais. Ela brotou na minha mente
depois de ter lido “Erbe Spontanee”, ou
seja, traduzindo para português, “Ervas Espontâneas”. Adquiri o referido livro
na cidade de Caserta, em plena viagem pelo “Mezzogiorno”, oportunamente
efetuada pelo sul da Itália.
Após as considerações iniciais, o autor Marco Alberti
caracteriza, ilustrando com apropriadas imagens, cerca de seis dezenas de ervas
que podem ser encontradas espontaneamente no território italiano. Com exceção
das que vegetam na parte norte (Alpes), quase todas elas são do conhecimento
deste botânico amador e podem também ser encontradas em Portugal. Dessas,
escolhi a alface espinhosa para protagonizar a presente croniqueta. Qual a
razão? - a curiosa referência de que esta erva muito amarga era, em tempos
idos, bastante apreciada e utilizada na culinária quotidiana.
A Lactuca serriola é uma das 23 mil espécies da
família das Asteraceae e julga-se que seja uma parente ancestral da
corriqueira alface, a Lactuca sativa, que hoje consumimos regularmente.
Trata-se de uma herbácea anual ou bienal de folhas rígidas e mais alongadas do
que as das alfaces. Tem a particularidade de possuir pelos espinhosos muito
alinhados, em fileira, na borda das folhas e mesmo na nervura central por
debaixo delas. Outra particularidade é a de, quanto cortadas, verterem
abundante látex. O caule é glabro, muito ramificado, algo viscoso e pode
ascender a metro e meio de altura. As florescências, de amarelo claro, dispõem-se
em panículas, exatamente como as da alface, tal como as sementes que são
pequenos aquénios.
A planta é tipicamente oriunda da região
mediterrânica, preferindo solos secos ensolarados, ricos em nutrientes. Pode
ser encontrada em meios ruderais, terrenos baldios, aterros e sítios
pedregosos.
O livro consultado refere que também é apelidada de
“planta bússola”, visto que as folhas caulinares estão dispostas
perpendicularmente à luz do sol, apontando para o eixo norte-sul.
Constituintes: mucilagens, taninos, vitaminas A, B e C e um alcaloide presente no suco leitoso, o qual tem efeitos semelhantes ao ópio, embora não seja viciante.
Propriedades: cicatrizante, hemostática, relaxante,
calmante, soporífera, expetorante, diurética.
Alivia as inflamações do trato digestivo, mitiga espasmos musculares e cãibras, desintoxica o fígado, combate artrites, reduz o catarro e a tosse, minimiza a ansiedade, melhora o sono, cicatriza feridas...enfim, devido ao seu peculiar alcaloide pode auxiliar o “desmame” e a desintoxicação das pessoas viciadas em ópio.
É utilizada por meio de suco, tintura, xarope, infusão ou cataplasmas.
As folhas basais, ainda jovens e sem picos, podem ser consumidas em saladas, a despeito do seu sabor bastante amargo. Gostos não se discutem!
Julho de 2025
Miguel Boieiro

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