Lembro-me de uma história contada pelo
escritor barrosão e peiresense, Bento da Cruz, em «Prolegómenos», com o título
«O melro à Janela» e cito: «Pôs-se a lua, nasceu o sol, e eu a dormir.
Acordei com umas pancadas esquisitas. A primeira impressão foi a de que alguém
me batia à porta. Mas breve me apercebi de que aquilo não eram pancadas de quem
bate à porta. Era uma espécie de morse, uma mensagem, uma confidência, uma
saudação. Entreabri a portada da janela. Quedei de boca aberta. Um melro a
bater na vidraça…». Mas, em Lebução, o «meu melro» tem outra educação melhor
do que o que visitou o barrosão. Depois deste canoro melro, já tive uma
espontânea adufeira, de Idanha-a-Velha, a tocar e a cantar só para mim. Também,
o abadinense (de Basto), Abílio Bastos, após termos visitado uma exposição de
alfaias musicais, no Liceu Sá de Miranda, em Braga, também me deu essa honra. Mas,
quem dá recebe com juros, retribui-lhe com gratidão e visibilidade de bom
poeta, pois já trabalha no seu terceiro volume de poemas. Mas, o melro que quis
agradecer a minha protecção, fez-me lembrar o eu ter assistido a uma primeira
arruada de bombos, no São João de Braga, quando saíamos da clausura da «Gripe
Chinesa». Esta animada partitura de bombos, da Escola de Bombos do amigo,
Professor Zé Maria, mexeu comigo. Posso não ver o Professor Zé Maria durante
meses ou anos, mas se houver uma arruada de bombos é certo e sabido que lá está
ele, como treinador/professor, discreto e feliz, a ver a actuação dos
muchachos/as usufruindo com ar de felicidade. Sempre atento às pancadas, para
ouvir se tocam a rigor. Para os dias de folia do São João de Braga, os grupos
de bombos vêm, sobretudo da margem direita do Douro: os Zíngaros (Carrazeda de
Ansiães), Zés Pereiras (Sanfins do Douro), as Rosas de Sta. M.ª de Jazende
(Amarante – só mulheres e fazem furor nas actuações). Quem aparece, também, nestas
arruadas, é o Celestino Reis, fascinado e atento às sessões. Na última a que eu
assisti, na Rua do Souto, em Braga, o Professor Zé Maria meteu-me a «moca» na
mão e incitou-me a treinar num bombo. Mas que bombo! Foi uma sensação única. O
bombão tinha mais de metro e meio de diâmetro, com ares de querer entrar no
Guinness, e deslizava em cima de skate, puxado por uma corda. E sigam os bombos
ou o bombar! Voltando ao leve martelar do melro na minha janela, o Professor Zé
Maria ainda não explorou esta possibilidade e inovação de incluir uns melros nos
grupos de bombos e mostrarem que, também, são filhos de Deus e com direito a exibirem
os dotes. O melro que me mimou com uma sessão só para mim, levou-me a amar,
ainda mais, as avezinhas. Vou estar atento para gravar ao vivo uma próxima
actuação avícola e divinal. Divinal e obra do Criador. Foi uma felicidade ouvir
tocar na vidraça da janela as pancadinhas suaves e tímidas do melro, carregadas
de ternura e amor. Cada vez me convenço mais que somos todos criaturas de Deus,
desde a mais pequena planta, às árvores frondosas, aos animais, às avezinhas do
céu e aos peixes do mar. Mesmo estes, não semeiam e Deus dá-lhe o pão-nosso de
cada dia.
domingo, 20 de julho de 2025
A música do melro
JORGE LAGE
A
música do melro – Hoje
(22/5/2025) tive momentos nunca vividos. Ainda não era oito horas, num dia meio
enfarruscado, frio e com envergonhadas piscadelas do Sol, ao pôr-me a pé, senti
pancadinhas de chamamento à porta ou janela da cozinha, suaves e bem ritmadas,
como se fosse alguém bem educado. Como insistiam, vesti-me à pressa, abri a
porta e, quando vejo escapulir-se um melro.
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É uma bela crónica da vida, a partir das "pancadinhas do melro". Esse som atravessou outros sons da vida e despertaram belas emoções que jamais se apagarão da memória. Parabéns! Cultive essa fraternidade com a natureza. Júlia Serra
ResponderEliminarHoje, com o "barulho" das guerras, infelizmente ninguém já consegue sentir e apreciar as pancadas doces do bico dos melros...- quase ninguém pára para escutar a Natureza. O Mundo quase perdeu o encanto ...
ResponderEliminarMuito obrigado, amiga Maria da Graça!
Eliminarbelíssimo apontamento de quem ama e se entusiasma com a Natureza e Quem a criou!
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