JORGE GOLIAS
Neste texto que ora se inicia vou convocar Eça porque quando os brasileiros nos acenam, e bem, com Machado de Assis (MdA) (1839-1908), nós replicamos com Eça de Queiróz (EdQ) (1845-1900). Contemporâneos, são considerados os maiores escritores da língua portuguesa do séc. XIX. Para Harold Bloom (1930-2019), o maior crítico literário do nosso tempo, MdA é o maior escritor negro (era mulato), de todos os tempos. Quem sou eu para concordar, mas concordo pacificamente com o autor do Cânone Literário Ocidental.
MdA, mais velho 5 anos que EdQ
era considerado como tendo pertencido ao Romantismo (logo camiliano), mas
também ao Realismo (logo Eciano). Os brasileiros aceitam isto pacificamente. Os
portugueses não misturam Eça, realista, com o romantismo. Ele próprio se
distancia. E pur si muove, apetece-me roubar a frase de Galileu quando
teve de renegar a visão heliocêntrica, também eu digo que Eça, apesar de quase
gozar com Camilo por ter ficado agarrado às restrições do romantismo, não
abrindo os olhos ao mundo, também ele não deixou de escrever e pensar no cânone
romântico quando a novela o exigiu. Da mesma maneira que Camilo, sentindo-se a
ficar para trás, apareceu a escrever realisticamente (Eusébio Macário e outros
desse tempo) e aí sim é que continuou a ser gozado por estar a fazer algo
contra a sua própria natureza. É quase a história do velho, o rapaz e o burro
(preso por ter cão e preso por não ter).
Volto ao tema nuclear para pegar
agora no Dom Casmurro (1900) de MdA e pô-lo a par de Os Maias (1888)
de EdQ. São ambas narrativas de costumes, realistas, mas também com laivos
românticos. As grandes obras deixam sempre alguma ponta para se lhe pegar na
posteridade. Em Dom Casmurro é a eterna questão da traição. Há mais de 100
anos que leitores mais atentos procuram perceber se Capitu, a menina dos olhos
oblíquos, traiu Bentinho, o marido, com o seu melhor amigo.
Também relativamente a Os
Maias leitores atentos tentam descobrir se Carlos da Maia e Ega naquela
cena final de correr para apanhar o “americano” e dizendo: -ainda o apanhamos!
-ainda o apanhamos! o terão ou não apanhado.
Ambos os autores são algo
equívocos e terá sido intencionalmente?!
Quando apareço a
dizer/escrever que estamos no fim de uma época e no princípio de outra, também
no âmbito da literatura se reflecte este desconforto, para não lhe chamar pior,
de se estar algures no meio da ponte, sem se saber como caminhar, ou se é melhor
deixar-se estar ali, até a tempestade passar ou seguir em frente rumo ao
futuro, que não se entende bem. Confuso, isto, pois será, como confuso fiquei
quando falando aos netos do romance Os Maias, que eles foram obrigados a
passar em vista de olhos, sei lá, eles me responderam que era um romance chato.
Estou mesmo fora de época, da minha época. Algum dia os jovens de hoje se iam
preocupar em saber se Capitu traiu Bentinho ou se Carlos e Jacinto apanharam o
americano?
E não terão razão? Não têm
eles mais com que se preocuparem? Não andamos nós atrás de saberes supérfluos
perante a crueza dos problemas que hoje se colocam aos mais jovens?
Responda quem souber.
CNX10OUT24JG83
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