sexta-feira, 11 de outubro de 2024

O Eterno Retorno

 

JORGE  GOLIAS


Como muitos da minha geração de tempos a tempos, volto ao local de partida, que é a literatura de Eça de Queiroz. Sou um queirosiano, mas em igual medida sou também um camiliano. Ditas as coisas nestes termos simplistas haverá os que dirão que assim sendo, não sou nem uma coisa nem outra.  Responderei que não vou nessa de quem não é por mim é contra mim. Quando o AP-V me disse que era um camiliano respondi que eu também, mas completei com a de ser igualmente queirosiano. E ele, de posições sempre bem radicais, não me replicou.

Neste texto que ora se inicia vou convocar Eça porque quando os brasileiros nos acenam, e bem, com Machado de Assis (MdA) (1839-1908), nós replicamos com Eça de Queiróz (EdQ) (1845-1900). Contemporâneos, são considerados os maiores escritores da língua portuguesa do séc. XIX. Para Harold Bloom (1930-2019), o maior crítico literário do nosso tempo, MdA é o maior escritor negro (era mulato), de todos os tempos. Quem sou eu para concordar, mas concordo pacificamente com o autor do Cânone Literário Ocidental.


MdA, mais velho 5 anos que EdQ era considerado como tendo pertencido ao Romantismo (logo camiliano), mas também ao Realismo (logo Eciano). Os brasileiros aceitam isto pacificamente. Os portugueses não misturam Eça, realista, com o romantismo. Ele próprio se distancia. E pur si muove, apetece-me roubar a frase de Galileu quando teve de renegar a visão heliocêntrica, também eu digo que Eça, apesar de quase gozar com Camilo por ter ficado agarrado às restrições do romantismo, não abrindo os olhos ao mundo, também ele não deixou de escrever e pensar no cânone romântico quando a novela o exigiu. Da mesma maneira que Camilo, sentindo-se a ficar para trás, apareceu a escrever realisticamente (Eusébio Macário e outros desse tempo) e aí sim é que continuou a ser gozado por estar a fazer algo contra a sua própria natureza. É quase a história do velho, o rapaz e o burro (preso por ter cão e preso por não ter).

Volto ao tema nuclear para pegar agora no Dom Casmurro (1900) de MdA e pô-lo a par de Os Maias (1888) de EdQ. São ambas narrativas de costumes, realistas, mas também com laivos românticos. As grandes obras deixam sempre alguma ponta para se lhe pegar na posteridade. Em Dom Casmurro é a eterna questão da traição. Há mais de 100 anos que leitores mais atentos procuram perceber se Capitu, a menina dos olhos oblíquos, traiu Bentinho, o marido, com o seu melhor amigo.

Também relativamente a Os Maias leitores atentos tentam descobrir se Carlos da Maia e Ega naquela cena final de correr para apanhar o “americano” e dizendo: -ainda o apanhamos! -ainda o apanhamos! o terão ou não apanhado.

Ambos os autores são algo equívocos e terá sido intencionalmente?!

Quando apareço a dizer/escrever que estamos no fim de uma época e no princípio de outra, também no âmbito da literatura se reflecte este desconforto, para não lhe chamar pior, de se estar algures no meio da ponte, sem se saber como caminhar, ou se é melhor deixar-se estar ali, até a tempestade passar ou seguir em frente rumo ao futuro, que não se entende bem. Confuso, isto, pois será, como confuso fiquei quando falando aos netos do romance Os Maias, que eles foram obrigados a passar em vista de olhos, sei lá, eles me responderam que era um romance chato. Estou mesmo fora de época, da minha época. Algum dia os jovens de hoje se iam preocupar em saber se Capitu traiu Bentinho ou se Carlos e Jacinto apanharam o americano?

E não terão razão? Não têm eles mais com que se preocuparem? Não andamos nós atrás de saberes supérfluos perante a crueza dos problemas que hoje se colocam aos mais jovens?

Responda quem souber.

CNX10OUT24JG83

 

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