quinta-feira, 1 de agosto de 2024

OS CINCO ENFRENTAM A TESOURA

 

Por MARIA da GRAÇA

 

Enid Blyton(1897-1968) foi uma das escritoras mais célebres do século xx.

Apenas a sua contemporânea Agatha Christie rivalizava com ela em popularidade. Várias gerações de jovens iniciaram-se na leitura recorrendo às suas obras - sobretudo nas séries Os Cinco (surgida em 1942), Os Sete (iniciada em 1947) e Noddy (datada de 1949).

Os verbos estão no passado porque Blyton tornou-se escritora proscrita.

As suas obras deixaram de ser editadas ou foram desfiguradas até perderem o sentido como produto de uma época concreta num contexto específico. Como se esse tempo jamais tivesse existido. Um tempo em que Enid Blyton era difundida em 90 idiomas e vendeu cerca de oito milhões de exemplares só no Reino Unido. Os Cinco na Ilha do Tesouro, volume inicial da saga que lhe deu mais fama, perdura na memória de milhões de pessoas.

 Entrou no Ìndex pós-moderno para que os supostos leitores actuais não se ofendam. Em Março de 2023, foi anunciado que as obras originais da prolífica autora de cerca de 650 livros infantis haviam sido removidos das prateleiras das bibliotecas municipais do condado de Devon, no sudoeste de Inglaterra, e arrecadadas em armazéns. A pretexto de «proteger o público».

Modo envergonhado de designar práticas censórias. «Claro que emendar livros é censura», reagiu ao Jornal de Notícias a escritora Alice Vieira, também especializada em literatura infantil e admiradora confessa de Enid Blyton.

The Telegraph, ao divulgar a notícia em Londres, especificou que os leitores só terão acesso às obras nas versões originais se fizerem esse pedido formal aos funcionários. Sendo advertidos, mesmo assim, de que tais versões contêm linguagem «cada vez mais desactualizada».

Nas estantes de acesso livre mantêm-se apenas os romances devidamente expurgados. Cumprindo instruções da Hodder & Stoughton. Surgida em 1868, inicialmente especializada em obras sobre religião, esta editora decidiu em 2010 examinar à lupa cada livro de Enid Blyton, descaracterizando-os. Como aconteceu com Os Habitantes da Árvore Longínqua , de 1946, republicado em 2022 sem alusão a tarefas domésticas para meninas e a inclusão de prédicas sobre igualdade de género. Os Cinco também foram à tesoura: «Um menino pescador de rosto moreno» passou a ter «rosto bronzeado» para evitar acusações de racismo. «Cala a boca» foi outra expressão banida.

Em 1997, ano do centenário do seu nascimento, Enid Blyton surgiu estampada em selos britânicos. Algo que talvez hoje não ocorresse por ser «estereotipada» e «antiquada», na opinião dos críticos agora tornados censores.

Ela - ainda a quarta autora mais traduzida no mundo, segundo a UNESCO - talvez não desse excessiva importância à contestação recente, se ainda vivesse.

Costumava dizer que só lhe interessavam as opiniões dos leitores até aos 12 anos.

 

In TUDO É TABU - Pedro Correia

 

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