JORGE LAGE
Dizia o historiador inglês, Thomas Callager, há uns meses, numa entrevista ao jornal Nascer do Sol, que hoje já não faz sentido falar-se de direita e esquerda, porque o mundo já está alinhado em dois blocos: democracia e ditadura.
Lembrei-me do desabafo de um amigo
mirandelense, que me dizia que no antanho e «no tempo da outra Senhora», os
mirandelenses alinhavam-se entre os da «situação» e os do «contra», mas, no dia
a dia, conviviam e ajudavam-se mutuamente. Se um do «contra» fosse preso pela
PIDE, logo alguns da «situação» se mobilizavam para trazer de volta o seu
conterrâneo. Para tal, batiam à porta de um influente mirandelense, como foi o
grande Joaquim Trigo de Negreiros, e, sempre que atendidos, consideravam uma
vitória da gente da terra. Assim, estando em campos políticos opostos sabiam
conviver em boa vizinhança. Com o 25 de Abril entraram os partidos e
semearam-se ventos de violência e ódio. Hoje, os mirandelenses em campos
ideológicos opostos olham para os vizinhos dos partidos opostos como se
tivessem lepra ou peste. A este propósito, dizia-me um médico mirandelense da
diáspora, meu amigo, que deixou de ir a Mirandela, porque quando estava a falar
com um amigo, vinha outro amigo de esquerda e dizia-lhe para não falar com ele
porque era de direita. Passado um pouco encontrava um amigo de esquerda e outro
de direita pedia-lhe para não falar com aquele porque era de esquerda. Disse-me
que se sentiu tão mal com estas atitudes que resolveu «não ir mais a Mirandela».
A este propósito, alguém falava com amigos no café, dizendo que os partidos
extremistas e intolerantes, cá do rectângulo, sonham e deliram com fascistas,
nazis, racistas e homofóbicos. Dizia que em democracia os extremistas de
esquerda e os extremistas de direita, acabavam por defender a violência e o
controlo de liberdade, até de pensamento. Lembro que o filósofo S. Mill dizia,
mais ou menos isto: «se houver um milhão de pessoas a pensarem todas o mesmo, e
uma só a pensar diferente, o pensamento desta deve, igualmente, ser tido em conta».
A democracia só existe quando respeitamos o que os outros dizem, mesmo
discordando frontalmente deles. As
palavras combatem-se com palavras e não com violência (verbal ou física). Alguns
aparecem nos media a vomitar ódio e meias-verdades contra pessoas moderadas que
apenas querem manifestar as suas convicções e saberes, ao cabo e ao resto são
tanto ou mais intolerantes e radicais do que aqueles que acusam. A democracia
não é um campo de cebolas que tem proprietário privado. A democracia é um
exercício de cidadania que se vive e se fortalece no respeito pelo outro, seja
de direita, do centro ou de esquerda, mesmo na nossa cidade.
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