segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Jorge Lage e Jorge Golias: «Deus dá-os e eles juntam-se» na cultura ancestral

Por BARROSO da FONTE



A cultura portuguesa é rica em aforismos populares. E há pedaços de chão que merecem ser explorados, mais do que o lítio da nossa contestação. Um desses ditos populares, promovido através de tempos remotos, quiçá desde a fundação da nacionalidade que nos irmana, na escrita e na fala da Lusofonia, traduz-se pelo dito: «Deus dá-os e eles juntam-se». Mesmo para os ateus, agnósticos ou descrentes, estas expressões linguísticas são tais e tantas que, por «toma lá, da cá», deles «se usa e abusa».

Ocorre-me recorrer a este linguarejar na precisa data em que completo setenta anos de jornalismo militante. Nestas sete décadas que me conferem o epíteto de decano do jornalismo, muitas foram as circunstâncias em que deles me socorri, para sintetizar causas ou circunstâncias de diversa natureza.

É neste patamar etário que me chegou à mão o último livro de Jorge Lage, a que chamou: «Diziam os antigos... Algumas memórias». São mais 256 páginas deliciosas que têm o aval de mais dois autores Transmontanos: Jorge Golias e Hélder José Teixeira de Carvalho. O primeiro assina o prefácio, o segundo emprestou a capa, alusiva às segadas. Uma trindade intelectual que honra Trás-os-Montes e os Transmontanos. A capa é uma tela figurativa das segadas, faina que implicava «ranchos» de outras zonas que subiam do centro para o norte, ganhando a jeira a segar o centeio dos lavradores. Muito expressiva para compreender o conteúdo etnográfico.

O contributo do prefaciador é uma espécie de complemento explicativo de cada um dos dezasseis capítulos, ou partes, em que a obra se desenvolve para melhor compreensão do leitor.

Prefaciador e autor são, como pretendo dizer no título, dois cidadãos nascidos no concelho de Mirandela, na mesma década, ambos coronéis, um formado na Academia Militar, na arma de Transmissões e licenciado em Engenharia Eletrónica e por isso do quadro permanente; o outro miliciano, com a mesma patente e licenciado em História, na Faculdade de Letras do Porto. Um e outro militam no pelotão da frente da literatura Portuguesa. Têm o mesmo nome: Jorge; o mais velho tem o apelido de Golias, o mais novo de Lage. O mais idoso distinguiu-se na Guiné e no Movimento dos Capitães de Abril, o menos idoso especializou-se no processo da Castanha. São dois talentosos Mirandelenses e Transmontanos, da mesma geração, com imensa obra editada e ainda com frescura mental para altos voos nas letras e na cidadania. Conhecem-se bem e louva-se o exemplar entendimento cívico, literário, jornalístico, telúrico e associativo. Este livro foi escrito ao longo de anos, em laivos regionalista, sempre com odores etnográficos e linguísticos. Quem ler as quatro páginas do prefácio desta mais recente obra de Jorge Lage, percebe facilmente que ambos competiram, positivamente, na preocupação de recolherem pedaços de vida campesina, a partir do passado para o presente. Foi desse passado, e por entre as muitas etapas sofridas dessas vivências seculares, que nos chegaram estas fragrâncias geracionais que nos unem, nos mesmos propósitos, nos mesmos gostos e mesmas preocupações. Compreende-se que Jorge Golias, conhecendo, por experiência própria, os méritos desta recolha etnográfica, tenha vibrado com este volume tão bem servido em doses suaves, no espaço e no tempo.

JORGE  GOLIAS
São de Jorge Golias estas palavras: «Em boa hora o escritor Jorge Lage se lembrou de reunir as mais qualificadas crónicas em vários órgãos de comunicação social e editar o presente livro. Nele fica demonstrada a riqueza histórica e etnográfica deste trabalho, para memória futura, mas antes para leitura saborosa dos que se interessam por saber mais sobre as suas origens. O valor de alguns textos recomenda a sua inclusão no Plano Nacional de Leitura».

No mês em que completo 70 anos de Jornalismo e jurei, a mim mesmo, cessar funções, honro-me saudar esta dupla de intelectuais transmontanos com os quais muito aprendi.

Barroso da Fonte

1 comentário:

  1. "Diziam os antigos"... - Já não se fabricam mais «Barrosos da Fonte»... Desses já não há mais!!

    ResponderEliminar

Delícias turcas