JORGE LAGE
Quando a elite da
sociedade portuguesa, com destaque para a classe política, se apercebeu que o
cuidar dos velhos era um problema sério, pensaram em dar a ideia de que a
preocupação era grande e aos poucos se ia resolvendo. Vai daí, começaram-se a
construir albergues ou asilos para velhos. Mas, os asilos de velhos tinham uma
carga pejorativa e a melhor forma que encontraram foi passar a chamar-se-lhes
lares de idosos. Ora lares de idosos pressupõem que pouco se diferenciem dos
lares familiares e que sejam muito acolhedores, com bons cuidados e conforto.
Acontece que também se descobriu que pôr velhos em asilos podia ser um negócio.
Aliás, essa ideia de negócio foi-me posta há uns 40 anos, na Praia da Luz
(Lagos), pelo Januário (ex-padre) que criou um lar, em Mata-cães, junto a
Torres Vedras, com algumas preocupações de tratar quem não tinha que o fizesse.
Informou-me até que não precisava de fazer mais nada porque o negócio era
rentável, mesmo dando alguma qualidade ao cuidar de idosos. Até hoje, nunca
mais o vi. Com o andar dos anos e toda a família a entrar no mundo do trabalho,
muitas famílias descuidaram o cuidar dos seus velhos. Hoje, generalizou-se a
ida de velhos para os lares (oficiais, clandestinos e de famílias de
acolhimento, além dos cuidadores informais nas próprias casas). A moda de
armazenar os velhos em «lares», hoje é aceite por quase todos. No meu caso
sempre vi os lares mais como um mal menor. Porém, enquanto em países
desenvolvidos, os lares são integrados na malha urbana e construídos em boas
ruas e avenidas, em Portugal constroem-se na periferia, de costas voltadas para
os locais em que sempre viveram, por vezes, em becos ou locais mais escusos.
Enfim, não se levam para um ermo para morrerem, mas armazenam-se onde não sejam
muito vistos. Nisto os próprios arquitectos talvez por falta de formação, estão
a desenhar as próprias futuras casas e dos amigos. Em muitos casos, os velhos,
depois de entrarem num lar, perdem a sua autonomia e deixam de poder sair ou
até de se vestirem como acham melhor. Recordo-me que ao visitar um lar, gerido
por um padre, este tinha proibido o casal de ter na mesinha de cabeceira do
quarto uma imagem do santo da sua devoção, o que é uma grande violência. Numa
cidade do Canadá, onde vivi dois meses, numa das melhores ruas da cidade, um
belo prédio era uma casa de velhos e só me chamou atenção porque tinha no
rés-do-chão o que eu pensava ser um restaurante. Os utentes da residência iam
tomar as refeições como se estivesse num vulgar bom restaurante. Também me
chamou a atenção ver na rua, na zona da residência de velhos, pessoas limitadas
fisicamente, sozinhas a passear com a ajuda de andarilhos. Isto em Portugal era
impensável. Hoje, em Portugal, muitos dos familiares metem cães e gatos em casa
e sacodem os velhos, quando estes lhes dão algum trabalho. Basta um pequeno
motivo, para irem parar a um depósito. Aliás, o tecido social está a envelhecer
de uma forma assustadora. Mesmo nas pequenas localidades do interior, os velhos
que teimam em ir-se mantendo no seu lar são postos de parte pelos vizinhos. É
raríssimo a sociedade civil organizar-se para apoiar os seus velhos isolados e
a quem tanto lhes deve. Ainda há pouco tempo correu notícia nas redes sociais
que, em Mirandela, o clube de futebol local terá entrado em campo com cães
acompanhantes em vez das crianças. Achei a medida insólita, porque me lembrei
que nos distritos de Vila Real e Bragança haverá perto oito mil a dez mil
velhos a viverem sozinhos e não se vislumbra um pingo de solidariedade que seja
notícia. São, na sua maioria, ignorados pelos vizinhos e quando há algum apoio
institucional é limitadíssimo, quando era desejável que a sociedade civil e as
autarquias promovessem a quebra do seu isolamento e solidão. Outrora, quando
alguém levava uma vida dura dizia que levava «vida de cão». Hoje, o mais
correcto será dizer que leva «vida de velho». Porém, os velhos de amanhã, serão
os novos de hoje, que estão a mostrar aos ainda mais novos como devem ser
tratados quando chegarem a velhos. Diz o ditado, «filho és, pai serás».
Jorge Lage - jorge.j.lage@gmail.com –12JAN2022
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