domingo, 16 de janeiro de 2022

Vida de velhos

 

JORGE  LAGE


Quando a elite da sociedade portuguesa, com destaque para a classe política, se apercebeu que o cuidar dos velhos era um problema sério, pensaram em dar a ideia de que a preocupação era grande e aos poucos se ia resolvendo. Vai daí, começaram-se a construir albergues ou asilos para velhos. Mas, os asilos de velhos tinham uma carga pejorativa e a melhor forma que encontraram foi passar a chamar-se-lhes lares de idosos. Ora lares de idosos pressupõem que pouco se diferenciem dos lares familiares e que sejam muito acolhedores, com bons cuidados e conforto. Acontece que também se descobriu que pôr velhos em asilos podia ser um negócio. Aliás, essa ideia de negócio foi-me posta há uns 40 anos, na Praia da Luz (Lagos), pelo Januário (ex-padre) que criou um lar, em Mata-cães, junto a Torres Vedras, com algumas preocupações de tratar quem não tinha que o fizesse. Informou-me até que não precisava de fazer mais nada porque o negócio era rentável, mesmo dando alguma qualidade ao cuidar de idosos. Até hoje, nunca mais o vi. Com o andar dos anos e toda a família a entrar no mundo do trabalho, muitas famílias descuidaram o cuidar dos seus velhos. Hoje, generalizou-se a ida de velhos para os lares (oficiais, clandestinos e de famílias de acolhimento, além dos cuidadores informais nas próprias casas). A moda de armazenar os velhos em «lares», hoje é aceite por quase todos. No meu caso sempre vi os lares mais como um mal menor. Porém, enquanto em países desenvolvidos, os lares são integrados na malha urbana e construídos em boas ruas e avenidas, em Portugal constroem-se na periferia, de costas voltadas para os locais em que sempre viveram, por vezes, em becos ou locais mais escusos. Enfim, não se levam para um ermo para morrerem, mas armazenam-se onde não sejam muito vistos. Nisto os próprios arquitectos talvez por falta de formação, estão a desenhar as próprias futuras casas e dos amigos. Em muitos casos, os velhos, depois de entrarem num lar, perdem a sua autonomia e deixam de poder sair ou até de se vestirem como acham melhor. Recordo-me que ao visitar um lar, gerido por um padre, este tinha proibido o casal de ter na mesinha de cabeceira do quarto uma imagem do santo da sua devoção, o que é uma grande violência. Numa cidade do Canadá, onde vivi dois meses, numa das melhores ruas da cidade, um belo prédio era uma casa de velhos e só me chamou atenção porque tinha no rés-do-chão o que eu pensava ser um restaurante. Os utentes da residência iam tomar as refeições como se estivesse num vulgar bom restaurante. Também me chamou a atenção ver na rua, na zona da residência de velhos, pessoas limitadas fisicamente, sozinhas a passear com a ajuda de andarilhos. Isto em Portugal era impensável. Hoje, em Portugal, muitos dos familiares metem cães e gatos em casa e sacodem os velhos, quando estes lhes dão algum trabalho. Basta um pequeno motivo, para irem parar a um depósito. Aliás, o tecido social está a envelhecer de uma forma assustadora. Mesmo nas pequenas localidades do interior, os velhos que teimam em ir-se mantendo no seu lar são postos de parte pelos vizinhos. É raríssimo a sociedade civil organizar-se para apoiar os seus velhos isolados e a quem tanto lhes deve. Ainda há pouco tempo correu notícia nas redes sociais que, em Mirandela, o clube de futebol local terá entrado em campo com cães acompanhantes em vez das crianças. Achei a medida insólita, porque me lembrei que nos distritos de Vila Real e Bragança haverá perto oito mil a dez mil velhos a viverem sozinhos e não se vislumbra um pingo de solidariedade que seja notícia. São, na sua maioria, ignorados pelos vizinhos e quando há algum apoio institucional é limitadíssimo, quando era desejável que a sociedade civil e as autarquias promovessem a quebra do seu isolamento e solidão. Outrora, quando alguém levava uma vida dura dizia que levava «vida de cão». Hoje, o mais correcto será dizer que leva «vida de velho». Porém, os velhos de amanhã, serão os novos de hoje, que estão a mostrar aos ainda mais novos como devem ser tratados quando chegarem a velhos. Diz o ditado, «filho és, pai serás».

 

Jorge Lage - jorge.j.lage@gmail.com –12JAN2022

NOTAS DE RODAPÉ (225)


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