quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

MINISTRA POR ENGANO

 

Ficámos muito sensibilizados e honrados por Francisca Van Dunem, eminente ministra e iminente ex-ministra, nos ter feito confidentes dos seus estados de alma a respeito dos anos passados como Governanta* do departamento da Justiça, durante este último sexénio. Confessou-nos Sua Excelência, no jornal “Público” de 19 de Novembro último, que mesmo que o PS ganhe as próximas eleições legislativas e António Costa permaneça como Primeiro-Ministro, ela deixará o lugar, porque, acrescenta: “Eu já estava neste Governo [apenas] até final da Presidência portuguesa da União Europeia, era a combinação que tínhamos. Porque era suposto que houvesse uma remodelação a seguir a isso”. Acrescentou ainda estes tocantes e edificantes desabafos: “Acho que sou neste momento a pessoa que mais tempo esteve na pasta da Justiça. É o mais longo mandato de um ministro desde o 25 de Abril. Temos de dar lugar a outras pessoas. E depois o meu lugar não é aqui, a minha profissão não é esta. Acho que tenho de ir para o meu lugar” (sublinhado meu). À pergunta do jornalista sobre qual o seu plano seguinte, respondeu, sorrindo: “Os meus netos”.

Embora o ser membro do Governo não seja considerado como profissão, façamos de conta que sim, porque isso em nada diminui o desprendimento da ministra pelas honrarias e benesses do cargo e a sua generosidade em “dar o lugar a outras pessoas”. A esse desapego por tais mundanidades chamam as bem-aventuranças evangélicas “pobreza de espírito”, e também se designa por “pobreza franciscana”, por ter sido um frade de nome Francisco um dos seus mais altos expoentes. E eu tenho para mim, cá no meu íntimo, que não é mero acaso o facto da ministra também se chamar Francisca.

Por tudo isto me custa a crer que haja gente capaz de malsinar os sentimentos cristãos da virtuosa senhora, insinuando coisas como estas, que eu já ouvi: como boa entendedora que é, Francisca já terá topado que António Costa a tenciona desencostar; ora como ela, além de boa entendedora, também é boa a fazer-se entender, apressou-se a dizer o que disse para que entendêssemos que não foi António Costa a desencostá-la, foi ela que se desencostou.

Dizem ainda as más línguas que, se ela vem arrostando com os sacrifícios que a “profissão” comporta, não é pelos lindos olhos da pasta ministerial, mas por mor de outra pasta, a de metal. Mas eu ponho as mãos no lume pela sua sinceridade. Notem que ela tem sido ministra não só com prejuízos para si própria, mas com graves repercussões para os seus familiares. Não deixa de causar dó a carência afectiva dos seus netinhos por falta de comparência da vovó com os seus carinhos.

No que toca à tal “remodelação” que Van Dunem diz que esteve “combinada” e que António Costa sempre negou, é evidente a galga por parte de um dos dois. Quanto a mim, não tenho quaisquer dúvidas de que tal patranha pertence a António Costa; a patranha é nele congénita, é o seu idioelecto, a sua marca de água.

Termino augurando à iminente ex-ministra Van Dunem uma aposentação “posta em sossego” e na afectuosa envolvência dos seus netinhos. Bem a merece, porque governantas como ela não há muitas. Reparem que, conhecendo por experiência própria quão espinhoso é o desempenho de certos lugares, fez os possíveis e os impossíveis para evitar que a Dr. Ana Carla Almeida fosse sujeita a tais suplícios, opondo-se a que preenchesse o lugar que lhe estava destinado no Conselho Europeu, lugar que teve de ser ocupado, com menos sorte, pelo Dr. José Guerra. São os caprichos do destino: males que vêm por bem e bens que vêm por mal.

Flávio Vara

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*Utilizo a forma feminina da palavra, obedecendo aos conceitos politicamente mais correctos sobre os géneros, e seguindo o exemplo pioneiro de Dilma Rousseff, que se autochamava “Presidenta” do Brasil. Não confundir com governanta doméstica, sem embargo da domesticidade que Van Dunem revela nas suas palavras a seguir transcritas.

1 comentário:

  1. Texto certeiro para uma seguidista, como se estivéssemos nos desgovernos dos piores países do terceiro mundo... JL.

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