JORGE LAGE
É mais um livro do
escritor mirandês, Faustino Ramos Antão, escrito com mestria em «Lhéngua
Mirandesa» e, para auxiliar da leitura, no final traz uma lista de vocabulário
para ajudar na leitura das palavras mais difíceis de traduzir. O exercício de
leitura enriqueceu-me imenso e abriu-me
um soalheiro postigo da memória para me recordar vocabulário utilizado na minha
aldeia na minha meninice e que hoje, ainda encontro nos mais velhos, na
comprida faixa Nordeste do concelho de Chaves, entre o rio Mente (Mendo ou
Rabaçal).
Dando-me a certeza, que os nossos filólogos e linguistas,
desconhecem, que a «Léngua Mirandesa» se estendia a este concelho, aos de
Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela, terminando em Freixo de
Espada-à-Cinta. Nesta obra, escrita com grande realismo do quotidiano da primeira
metade do século XX, o autor diz-nos que qualquer livro começa a ganhar forma
no «ampeçar» (começar) e com a preocupação que a mensagem seja compreendida
pelo leitor. Depois, compara a escrita de um romance como um segador que faz a
segada. Advertindo (e eu concordo em absoluto) que se não for como diz, o livro
é um pregar no deserto (sem interesse para o leitor). Outras certeiras
cogitações e ideias mestras expressa-as no «Começar» e no «Introdução», ambas
as entradas bilingues (português e mirandês). O livro «Çtino. Çtinos» (Destino.
Destinos) é uma distorção de duas linhas, uma real e outra imaginária, que se
vão cruzando em várias acções, com as personagens a aceitarem o seu destino,
como se já estivesse escrito nas estrelas. Só em momentos irreversíveis é que
os filhos do monte conhecem o pai ou a mãe ou o contrário. Preconceitos sociais
que o tecido social impunha com um ferrete ainda mais marcante do que aquele
com que eram marcadas as rezes após a tosquia, impondo-se quando se falava em
filhos ilegítimos ou zorros. Outro assunto tratado superiormente é o do «desvio
sexual», em que a pessoa não se reconhece no corpo que tem ou na atracção pelo
sexo oposto, lançando-a para um drama interior que poderia terminar em suicídio
ou clausura num mosteiro. Este tema é tratado pelo autor de uma forma superior
e magistralmente bem escrito. Tanto o tema como a personagem, real ou
imaginária, não sendo fáceis, já que os preconceitos sociais podem albergar uma
boa ceifa antropológica e será desperdiçar um bom filão, se antropólogos,
sociólogos, psicólogos ou historiadores de monografias, não orientarem para
estudo de teses de mestrados esta e outras obras do autor. O autor soube
introduzir-se muito bem no corpo da personagem, com um realismo de sensações e
vivências, que só me parece possível quando se tem talento para a escrita e se
estuda bem o tema e personagens similares. Aconselho a leitura deste muito
interessante «remanse» que se lê com prazer e avidez Os meus parabéns ao
Faustino Antão.
Jorge Lage - jorge.j.lage@gmail.com –17NOV2021
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