segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Çtino. Çtinos…


 JORGE  LAGE

 

É mais um livro do escritor mirandês, Faustino Ramos Antão, escrito com mestria em «Lhéngua Mirandesa» e, para auxiliar da leitura, no final traz uma lista de vocabulário para ajudar na leitura das palavras mais difíceis de traduzir. O exercício de

leitura enriqueceu-me imenso e abriu-me um soalheiro postigo da memória para me recordar vocabulário utilizado na minha aldeia na minha meninice e que hoje, ainda encontro nos mais velhos, na comprida faixa Nordeste do concelho de Chaves, entre o rio Mente (Mendo ou Rabaçal). 

Dando-me a certeza, que os nossos filólogos e linguistas, desconhecem, que a «Léngua Mirandesa» se estendia a este concelho, aos de Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela, terminando em Freixo de Espada-à-Cinta. Nesta obra, escrita com grande realismo do quotidiano da primeira metade do século XX, o autor diz-nos que qualquer livro começa a ganhar forma no «ampeçar» (começar) e com a preocupação que a mensagem seja compreendida pelo leitor. Depois, compara a escrita de um romance como um segador que faz a segada. Advertindo (e eu concordo em absoluto) que se não for como diz, o livro é um pregar no deserto (sem interesse para o leitor). Outras certeiras cogitações e ideias mestras expressa-as no «Começar» e no «Introdução», ambas as entradas bilingues (português e mirandês). O livro «Çtino. Çtinos» (Destino. Destinos) é uma distorção de duas linhas, uma real e outra imaginária, que se vão cruzando em várias acções, com as personagens a aceitarem o seu destino, como se já estivesse escrito nas estrelas. Só em momentos irreversíveis é que os filhos do monte conhecem o pai ou a mãe ou o contrário. Preconceitos sociais que o tecido social impunha com um ferrete ainda mais marcante do que aquele com que eram marcadas as rezes após a tosquia, impondo-se quando se falava em filhos ilegítimos ou zorros. Outro assunto tratado superiormente é o do «desvio sexual», em que a pessoa não se reconhece no corpo que tem ou na atracção pelo sexo oposto, lançando-a para um drama interior que poderia terminar em suicídio ou clausura num mosteiro. Este tema é tratado pelo autor de uma forma superior e magistralmente bem escrito. Tanto o tema como a personagem, real ou imaginária, não sendo fáceis, já que os preconceitos sociais podem albergar uma boa ceifa antropológica e será desperdiçar um bom filão, se antropólogos, sociólogos, psicólogos ou historiadores de monografias, não orientarem para estudo de teses de mestrados esta e outras obras do autor. O autor soube introduzir-se muito bem no corpo da personagem, com um realismo de sensações e vivências, que só me parece possível quando se tem talento para a escrita e se estuda bem o tema e personagens similares. Aconselho a leitura deste muito interessante «remanse» que se lê com prazer e avidez Os meus parabéns ao Faustino Antão.

Jorge Lage - jorge.j.lage@gmail.com –17NOV2021


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