António Magalhães
Esta menina aqui
sentada, está com uma dor na perna esquerda, entre o joelho e a anca.
De cara afogueada e
mimosa, sorriso radiante como um suave e harmonioso sol de fim de tarde
descendo pela linha do horizonte, desaparecendo lentamente como bola vermelha
em areia movediça, olhos azuis e cintilantes, ávidos apesar da expressão de
timidez, e, no entanto, ninguém diria que apesar de tudo isto, neste preciso
momento, sofre. Sofre uma dor física.
A não ser que ela mesma
se queixe, nos diga - doí-me a perna esquerda entre o joelho e a anca – nunca o
saberemos porque a dor não se vê, e se dela nos dizem que doi, não sendo em nós
mesmos, só poderemos imaginar, medir e quantificar segundo a nossa perspetiva,
o grau de intensidade com que a pessoa que acabou de confessar a sua dor, a
está a sentir.
Teremos de acreditar,
sem ver, em algo que não é de todo visível.
Esta menina de cara
afogueada e mimosa, também ela sabe que tem uma dor na perna esquerda, entre o
joelho e a anca, porque a sente, mas não a vê.
Se do Quinzinho não
ouvimos uma única palavra, magra ilustração que fosse, do sofrimento que está a
passar, é porque, desde o dia em que nasceu, até aos dias de hoje, já la vão
sessenta anos de silêncio de quem não lhe foi facultado o dom da fala, silêncio
esse quebrado por alguns momentos parcos de alegria, manifestada por um
sorriso, às vezes uma gargalhada que hoje se nos parece quase terna recordação
de outros tempos, que apesar do infortúnio de quem nasce com tantas limitações;
a fala apenas uma delas, nos parecem apesar de tudo, tempos áureos.
A chama da vida, que
como uma vela vai enfraquecendo por ter consumido quase por completo o pavio
que a mantinha a arder, é como abulia ao mundo que a rodeia, para mergulhar
numa letargia sem igual.
Do Quinzinho sabemos que
sofre, muito embora, tal como a dor da menina de cara afogueada e mimosa,
também do seu sofrimento apenas podemos ver os sinais que o descrevem, apesar
de tudo, tácita ilustração do sofrimento propriamente dito, por dele não o
vermos de maneira palpável.
Algures num lugar que
não conhecemos, misterioso quão misteriosa é a entrada que lhe dá acesso,
nuances daquilo que será por um período de tempo, carne e osso, porque Espírito
é e sempre será a sua essência, movem-se em formas de línguas de fogo, pedaços
de luz brilhante, almas de um corpo que as albergará pelo tempo necessário ao
que do sofrimento humano precisam para evoluírem como Espírito.
Cada uma delas há de ter
uma concha onde se possa alojar na sua passagem pelo chamado mundo dos vivos. E
a essa concha a que chamam – corpo humano – se há de pôr um nome, Quinzinho,
por exemplo. Quinzinho que não saberá que todo o sofrimento pelo qual está a
passar na reta final da sua vida enquanto – ser humano- carne e osso, todos os
momentos daquilo que foram tempos áureos por serem de risos e sorrisos, átimos
de felicidade que desaparecem com mais rapidez do que aparecem, aceitou-os
enquanto alma, aquele pedaço de luz que é o que somos muito antes de o sermos.
Aceitou incorporar a sua concha de carne e osso com uma missão, a de, através
da felicidade e do sofrimento, da alegria e da tristeza, da maldade e da
bondade, do odio e do amor, aprender a progredir como Espírito.
Para a alma que nasceu
incorporada na sua concha de carne e osso se assinala no dia do seu nascimento
a morte temporária do Espírito, e depois, cumprida a dádiva da vida terrena, chegada
a hora da morte da carne e osso, renasce na sua condição de Espírito, com mais
força, mais experiência, mais energia.
Tal como a menina de
cara afogueada e mimosa, que tem uma dor numa perna, entre o joelho e a anca, e
o sofrimento do Quinzinho que nem sequer nos pode dizer o quanto sofre porque
não fala, nunca falou, acreditamos no que não vemos, no que humanamente não é
palpável.
De que nos serve a vida
sem
Acreditar
De que nos serve dormir
sem
Sonhar
De que nos serve viver
sem
Imaginar
De que nos serve a vida
amarga e
Dura
Sem ao menos uma pitada
de
Loucura
(To my big brother
– I love you and I miss you)
(Diário das pequenas
reflexões)
António Magalhães
'De que nos serve a vida sem acreditar'. De facto.
ResponderEliminarSeja no que for que acreditemos - ou em que queiramos acreditar -, sempre, aqui e ali, a dúvida nos há-de assaltar. Penso assim que, melhor do que acreditar, será demonstrar.
Foi o que tentei fazer em
https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/05/almas-penadas.html
e em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/afinal-deus-existe.html ,
que o convido a visitar e, se algum dos textos achar merecedor, comentar.
Desejo-lhe um bom Domingo.
Menina linda, sorriso lindo e puro...-Não há alma penada que a assombre...
ResponderEliminarBenza-a Deus!