Reenvio a pedido do meu Amigo Jorge Lage:
- Apontamento Introdutório
- Livro "Luta Incessante"
Gen. João Afonso Bento Soares
Uma saga notável:
Este Engº Técnico não chegou a conhecer
o pai, porque tinha apenas um ano de idade, quando o pai foi mobilizado para
Angola, onde veio a falecer e lá ficara sepultado.
Ele comparecia aos encontros anuais dos
antigos combatentes e pressionava o Coronel Ramiro Oliveira (que, em capitão,
fora o comandante da companhia CCE 266, a que o pai pertencera) para se
arranjar uma forma de recuperar os Restos Mortais do pai.
Ora o Cor. Ramiro de Oliveira e eu fomos
professores no Instituto de Altos Estudos Militares, e quando ele soube que eu
fora nomeado para Chefe do Estado Maior da Missão de Paz em Angola, pensou:
"Aqui está a
pessoa a quem pedir para recuperar os Restos Mortais do Sarg. Justino
Teixeira da Mota que deixei enterrado em Maquela do Zombo"...
Bom, quando me veio com tal pedido,
previ logo tratar-se de uma missão impossível, mas lá recebi o
dossier sobre a matéria.
No apontamento anexo consta
um resumo da minha odisseia para (incrivelmente) ter acabado por conseguir
satisfazer o pedido do meu camarada Coronel Ramiro.
Acontece que depois disto tudo resolvido
e eu vir a conhecer o filho do Sargento, o Eng.º Técnico António T. Mota, este
resolveu escrever um livro "Luta Incessante" que
está esgotado e nem ele tem mais exemplares, enquanto autor. Prontificou-se
então a enviar-me uma cópia online (em PDF) que poderá ler-se no computador.
Portanto depois visto o meu Apontamento
anexo, fico à disposição para enviar o link informático do referido livro
"LUTA INCESSANTE".
Saúde, fora do bicho é o
que se deseja
JÁ
RESGATE DE RESTOS MORTAIS
DE UM ANTIGO COMBATENTE
Apontamento Introdutório
Revendo o álbum de memórias dos mais de quarenta anos ao
serviço das Forças Armadas no desempenho das mais variadas missões, encontro
páginas que sabe bem reviver.
Uma delas é, seguramente, a autêntica saga constituída
pelos muitos trabalhos, diligências e canseiras que me viriam a permitir
resgatar em 1995/96 os restos mortais do Sarg. Justino T. Mota caído em Angola
na Guerra do Ultramar e enterrado em Maquela do Zombo em 1962.
Insere-se este episódio na segunda passagem por Angola
aquando da minha nomeação para Chefe do Estado-Maior da Missão de Paz da ONU em
apoio daquele país (UNAVEM – United Nations Angola Verification Mission).
Estávamos em fins de Janeiro de 95, e nessa altura
participei, com civis e oficiais superiores de vários países, num curso sobre
Missões de Paz que decorreu na Dinamarca sob a égide da ONU. Durante esse
encontro, o Coronel representante da Bulgária, tendo-me identificado através da
“Lista de Participantes/Funções” como próximo responsável pela Chefia do
Estado-Maior da Missão de Paz em Angola (UNAVEM), veio confidenciar-me que, ele
próprio, se havia candidatado ao cargo de Observador Militar naquela Missão,
mas que o pedido de cooperação aberto à Bulgária não incluía o posto de
Coronel. Referiu-me, inclusivamente, ter-se disponibilizado para aceitar um
“down-grading” da sua patente por um ano, mas o Governo do seu país não
aceitara a sugestão e nomeara efectivamente um Major. Era para esse oficial seu
conhecido, que reputou de excelente militar, que o Coronel búlgaro vinha pedir
a minha “protecção”. Não obstante a natureza circunstancial do pedido,
solicitei-lhe uma nota identificativa do recomendado. De pronto me entregou um
cartão-de-visita, por ele previamente preparado, que guardei.
No final do curso, a organização providenciou transportes
diversificados para o aeroporto a grupos de oficiais de acordo com os seus
voos. Deu-se novamente a coincidência, de me ter deslocado na viatura onde ia
também e apenas o referido Coronel búlgaro. Lá retomámos a conversa sobre o seu
“protegido” – Major Alexander Alexandrov -, de sua graça.
De regresso a Lisboa, pouco antes do embarque e já embrenhado nos últimos preparativos, a dois ou três dias da partida, recebo um telefonema do meu querido amigo Coronel Ramiro Correia de Oliveira. Dizia precisar de um grande favor da minha parte. Resumidamente, tratava-se de tentar diligenciar em Angola a trasladação dos restos mortais de um militar então pertencente à Companhia de Caçadores Especiais nº 266 sob seu comando em Maquela do Zombo, que ficara sepultado no cemitério daquela localidade em 1961!
Embora apercebendo-me da dificuldade, ou mesmo
impossibilidade, do teor de um tal pedido, senti uma forte emoção interior. É
que uma outra missão similar, também do foro sagrado, me tinha cometido a mim
próprio: localizar e trazer um punhado de terra da campa do Tenente Francisco
Pires Bento, meu avô materno, caído no Norte de Angola ao serviço da Pátria
“combatendo o gentio rebelde” a 4 de Julho de 1918, na plenitude da vida, com
apenas 43 anos de idade. Comandava, na altura, o Posto Militar do Cauale
pertencente à Capitania-Mor do Pombo. Esse distinto e valoroso oficial tinha já
perdido a jovem esposa e deixara na aldeia natal - Meimôa -, ao cuidado de uma
avó, duas crianças de tenra idade: minha mãe Alda e seu irmão Mário, os quais
ficando tão prematuramente órfãos de pai e mãe viriam a estudar, com pensão de
sangue, no Instituto de Odivelas e no Instituto dos Pupilos do Exército,
respectivamente.
O telefonema do meu Amigo tinha assim para mim, neste
contexto, uma ressonância muito profunda, mas simultaneamente vislumbrava no
meu espírito dificuldades, quiçá insuperáveis, de qualquer das missões.
Mas voltando ao tema inicial que aqui nos traz, uma
coisa, porém, era certa: haveria de esgotar todos os meios ao meu alcance para
atender o Coronel Correia de Oliveira, por quem já então nutria verdadeira
estima e enorme consideração.
Sem o tempo mínimo para juntos analisarmos o problema, pedi-lhe que me fizesse chegar às mãos toda a documentação útil sobre o assunto. Ele assim fez.
Em 17 de Março de 1995 chego à cidade de S. Paulo da
Assunção de Luanda e tomo posse do espinhoso cargo que me aguardava. As
múltiplas tarefas da minha responsabilidade exigiram-me um trabalho diário de
16 a 18 horas ao longo de todo o ano que a comissão durou.
Só decorrido mais de um mês sobre a posse, consegui um
mínimo de disponibilidade para me debruçar sobre a referida documentação.
Analisei pormenorizadamente todos os elementos. Pareceu-me que a tarefa iria,
eventualmente, além das minhas capacidades, mas deitei mãos à obra.
Gizei o plano com base numa seriação de tarefas que
viriam a traduzir-se naquilo que denominei “Operação Maquela do Zombo”.
Do dispositivo operacional a meu cargo fazia parte, além
das unidades dos vários países, um conjunto de Destacamentos de Observação
(ditos “Team Sites”) a implantar por todo o território angolano e a implementar
progressivamente de acordo com as prioridades operacionais. Para Maquela do
Zombo estava prevista a instalação de um desses Destacamentos dentro de cerca
de duas semanas, decorrendo nesse preciso momento o processo de nomeação da sua
guarnição, a constituir com 4 ou 5 Observadores Militares (estes iam chegando à
Missão vindos dos vários países e de acordo com os planeamentos recebidos da
ONU em N. York).
Alterando pontualmente o procedimento de rotina, chamei o
oficial do meu Estado-Maior responsável pela área de pessoal (um simpático
Tenente Coronel romeno) e disse-lhe para, entre os Observadores a nomear para o
Destacamento de Maquela, incluir um português ou um brasileiro.
Isto facilitaria futuras
conversações com as autoridades administrativas locais, além de que este tipo
de nomeações não obedecia a normas rígidas. Quando o Chefe do Pessoal veio a
despacho no dia seguinte, informou-me não ter conseguido nenhum Observador
nomeável para Maquela que falasse a Língua Portuguesa. Como o que não tem
remédio, remediado está, ordenei que procedesse com urgência à nomeação da
guarnição de Maquela e, feito isso, mandasse apresentar no meu gabinete o
respectivo Comandante.
A “Operação Maquela do Zombo” era trabalhada no meu
quarto e, logo nessa noite, perante a contrariedade do idioma, refiz várias
peças do plano, passando-as para Inglês.
Na manhã do dia seguinte, apresenta-se para falar comigo
o indigitado Comandante de Maquela, a quem, para além das habituais
recomendações sobre o cumprimento da sua missão, iria pedir a execução de
algumas diligências que importava explicar com o necessário detalhe.
Neste primeiro contacto com o oficial, eu diria (para
utilizar uma gíria castrense) que logo me pareceu de “excelente aspecto
militar”. À data, ainda não me era possível identificar todas as fardas, já que
a Missão integrava várias dezenas de países dos cinco continentes. Por isso
indaguei, antes de mais, a sua nacionalidade:
“Sou da Bulgária”, disse prontamente…
Era, curiosamente, o Major Alexander Alexandrov, o meu
“protegido”. Extraordinária coincidência!
Após inúmeras diligências e com a sua ajuda e das
autoridades locais da Unita foi-me autorizada a exumação dos restos mortais que
posteriormente com o apoio do Senhor Embaixador em Angola se conseguiu
transporte para Portugal na mala diplomática.
Não escondo a enorme satisfação que me deu ver cumprida a
obrigação que assumira com um Amigo e ver realizado o desígnio sagrado de uma
família a que se juntava também a dívida não saldada do meu país (com efeito os
restos mortais não haviam sido oportunamente reclamados pela família devido a
dificuldades financeiras).
Na sequência do complicado processo vim a conhecer o
filho do Sarg. Mota, o Eng.º. António Mota que enquanto filho de antigo
combatente fora aluno no Instituto Militar Pupilos do Exército (IMPE), ou seja,
um ilustre “Pilão”, o 21 do seu ano! Ora quis o destino que, com a minha
promoção a Oficial General, ali fosse colocado como Director em 1997. Tive
então oportunidade de convidar o Eng.º. Mota a visitar a sua antiga Casa na
companhia do Cor. Ramiro de Oliveira, antigo comandante de seu pai na fatídica
comissão em Angola.
O mais importante é, no entanto, que a família Mota já
não está agora privada da consolação humana de poder chorar o seu ente querido
junto à campa, na sua terra natal. É essa consolação humana que refulgirá perenemente
na memória da família.
No fim de todo este longo
processo, e dentro das minhas fracas qualidades poéticas, escrevi os seguintes
dizeres em memória de um combatente caído na GU em Angola, o Sargento Justino
Teixeira da Mota:
ÚLTIMO ADEUS A MAQUELA DO
ZOMBO
(Homenagem ao camarada,
Sarg. Justino Teixeira Mota,
falecido em 18 de Outubro
de 1962, pertencendo à
Companhia de Caçadores
Especiais 266 / Batalhão 262)
Foste um soldado e grande
companheiro,
Que em Maquela cumpriu
sua missão.
Tanto a ela te deste por
inteiro,
Que te apagaste nesse
ex-luso chão.
Trinta e quatro anos são
volvidos,
E os entes queridos te
reclamam...
Quanta saudade e dor em
ais sentidos
Guarda a memória dos que
por ti chamam.
Fui buscar tuas cinzas
com respeito,
Para honrar a mensagem
recebida
Dos teus e do Ramiro,
Capitão.
E se à história presto
humilde preito
Por te levar à última
guarida...
Justino, eu te saúdo como
irmão.
(S. Paulo da Assunção de Luanda, 9 de Março de 1996)
João Afonso Bento Soares
Major General
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