Notícias do crime, cá e lá
Como aconteceu no mesmo dia, a comparação pode ser feita.
Nos EUA, um indivíduo desata aos tiros numa superfície comercial e acaba por matar dez pessoas, em Boulter, Colorado: horas depois ficamos a saber quase tudo sobre este crime. O nome e a idade do presumível criminoso, se tinha ou não cúmplices, como agiu, quanto tempo demorou a ser detido, que tipo de armamento utilizou, que acusação formal lhe é agora imputada pela justiça criminal. Tomo conhecimento disto assistindo ao Jornal da Noite da SIC, na terça-feira.
Em Portugal, algures no concelho do Seixal, várias viaturas da polícia de intervenção são mobilizadas para um alegado bairro por supostos moradores devido a «alguns distúrbios» nunca concretizados. As forças da autoridade são ali «recebidas com disparos» (revela o mesmo Jornal da Noite) e demoram horas a controlar a situação, havendo necessidade de recorrer ao Grupo de Operações Especiais da PSP e a brigadas de intervenção rápida, que se fizeram transportar em veículos blindados. «Uma força de elite foi chamada depois de almoço», sublinha o repórter num directo feito já de noite.
Quase nada ficamos a saber sobre o que realmente aconteceu, no caso português: nem quantos eram os elementos envolvidos, nem a idade deles, nem o tipo de armamento, nem o que esteve na origem dos incidentes, nem quais foram ao certo os danos causados.
Sabe-se apenas que «um suspeito foi detido e outros dois estão em fuga», deixando-se antever que estariam envolvidos só três indíviduos - algo que custa a crer dados os meios policiais utilizados e o longo tempo («a operação demorou perto de sete horas», diz o repórter da SIC) que demoraram a efectuar a solitária detenção.
Na RTP, uma testemunha, de costas para a câmara, alude a «caçadeiras» - não haveria armamento mais sofisticado? E o que terá causado aqueles distúrbios? Alguma festarola clandestina em violação do estado de emergência ou um motivo muito diferente? Justificava-se verdadeiramente o aparato policial envolvido na operação?
Nenhum destes canais me esclarece.
Consulto o Público de ontem e continuo sem nada saber. «Cerco policial em Corroios durou várias horas e terminou ao início da noite. Há dois elementos em fuga com PJ no encalço», eis o máximo de pormenores fornecidos na pág. 16. Após duas páginas (centrais) dedicadas à questão do «acesso às armas»... nos Estados Unidos. Na peça sobre o tiroteio na margem sul do Tejo, quase todo o destaque é reservado a críticas de alegados residentes à intervenção policial. Nem sequer ficamos a saber o local preciso onde aquilo aconteceu (Corroios é uma vasta freguesia do concelho do Seixal e a segunda vila mais populosa do País) ou até se foi num verdadeiro "bairro" ou não.
Só na terceira linha a contar do fim, numa peça com 79, surge um vislumbre do que possa ter ocasionado os distúrbios violentos. Quando uma presumível moradora solta esta frase: «De há um tempo para cá começou a história da maldita droga.»
De um lado, clareza informativa; do outro, uma nebulosa de interrogações não esclarecidas. Mas logo ali se ensaia, pelo menos num canal televisivo que acompanhei, toda uma narrativa pronta a servir de pseudo-sociologia justificativa da delinquência. Sem nunca se questionar o poder autárquico da zona - no caso, a Câmara Municipal do Seixal, há quase meio século monopólio do PCP.
De um lado, jornalismo. Do outro, uma coisa em forma de assim, na tentativa canhestra e mal sucedida de o imitar.
Ficámos mais bem informados? Sim, sobre o que aconteceu nos EUA. Só nisso, uma vez mais.
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