Cultura e prazer:
Comer (n)a literatura
Virgílio Gomes
Pode dizer-se que a literatura também se come e muitos também a devoram. Nesta crónica vou contar-vos como se pode comer, e deliciar-se a ler, alguns alimentos que entram na literatura. Os alimentos ajudam muitas vezes a fixar o tempo em que decorrem alguns episódios, mas também os sentimentos associados ao consumo de alguns alimentos. Irei centrar-me em dois autores e um precioso alimento: o Pastel de Nata. Este doce é seguramente o mais internacional da nossa doçaria e cuja ancestralidade está patente em muitos relatos. Poderão ler, clicando aqui, uma abordagem por mim escrita com contribuições para a história do Pastel de Nata. Inês Pedrosa, no seu livro Dento de Ti Ver o Mar, 2012, a sua personagem Rosa é uma fã de pastéis de nata. Mas tem outros apetites e mais citações em relação a alimentos ou circunstâncias de uma refeição. Logo no início sobre Rosa a autora escreve: “A quantidade de coisas que uma pessoa pode pensar de prato na mão, na fila de um buffet.” Na descrição de Gabriel, na complexa relação com Rosa, escreve que esta: “Sentava-se a lanchar com ela no café da livraria e sentia-se cada vez mais enternecido com o tempo que ela levava a saborear, pedacinho a pedacinho, o pastel de nata que às vezes se permitia comer.” A autora continua: “Mal a via atravessar a rua, Gabriel fazia um sumo de laranja e tirava um pastel de nata. Rosa dizia que não podia pecar tantas vezes, sob pena de nunca mais se livrar dos quilos em excesso.
Sorria-lhe, lançava um piropo, dizia-lhe que ainda tinha uma margem de pastéis imensa até ficar gorda, e que a delícia de a observar a comer aquele doce era imperdível. Dizia-lhe que chegava a ter ciúmes do pastel de nata, …”. Mas a relação de Rosa com os doces não acaba aqui. Do Rio de janeiro envia a Gabriel um email: “O Rio de Janeiro é sensualidade pura. A luz desta cidade não tem igual – e a beleza das baías é de entontecer. … Podes até não gostar do Brasil, mas o Rio é irresistível. Gostaria de to mostrar. Hoje ao chegar ao quarto encontrei um ramo de rosas (simpatia do meu recém-descoberto progenitor) e pãezinhos de queijo com doce de leite (simpatia do meu agente, sabe que eu adoro estes pãezinhos – ou melhor, adoro doce de leite.” E não transcrevo mais pois espero que vos tenha aberto o apetite para ler este livro e também comer pastéis de nata. Confesso que sou um leitor continuado de Inês Pedrosa, de que sou amigo, e que me incentivou a escrever e publicar. Por isso a convidei a escrever o prefácio do meu primeiro livro Transmontanices, 2010. A presença de alimentos na obra de Inês Pedrosa é tão importante que apetece escrever como a autora utiliza a alimentação na sua obra.
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