quinta-feira, 18 de março de 2021

A Tia Rosaira

JORGE  LAGE


A Tia Rosaira (Teixeira), do Casal da Ladeira, nasceu na década de vinte, não teve uma infância fácil e desde criança começou a labuta da vida.

Com o somar dos anos casou com o seu resineiro, Gaspar, pois Leiria é terra de pinhal por vocação histórica da Lusitânia.

Quis a sorte que me juntasse com o seu pequenito Manel (Gaspar) nos estudos e no mesmo ano no ex-Colégio Marista dos Pousos (Leiria). Sempre nos demos bem e pela Páscoa, pelos Santos e pelo Natal a Tia Rosaira lá aparecia com os biscoitos e o bolo um pouco escuro para o Manel e para um ou outro amigo em que eu me incluía. Geralmente, trazia o pequenito Francisco com ela e lá voltava ao Casal da Ladeira (freguesia de Santa Eufêmia) com o taleigo aliviado e a alma em paz de rever o seu Manelito.

Nos anos sessenta do século XX inicia-se uma emigração em massa para as Franças da Europa, bastante gente para as colónias e alguma para as Américas.

A meados dos anos sessenta o pedido do resineiro Gaspar para emigrar para o Canadá (Toronto) estava bem encaminhado e uns meses mais tarde toda a família emigra (o casal Gaspar, os dois filhos e a filha).

Para um controlo burocrático na Embaixada do Canadá, que coincidiu com o dia da prova oral do 5.º ano liceal, secção de Ciências, no Liceu Nacional de Leiria, e eu cedi-lhe a minha vez, na dita prova.

Depois, o Manel ficou a corresponder-se sempre comigo, como já tinha sucedido ao José Órfão, da Caranguejeira outro amigo de Leiria. Dos três amigos, eu fui o último a abandonar o Colégio Marista.

Seja como for, depois de muitas andanças decidimos reencontrar-nos no período de férias e a Casa que o José Órfão tinha na Cruz da  Areia ou no Casal da Ladeira do Gaspar eram sempre o ponto de encontro.

Há uns 6 anos tivemos o que seria mais um encontro de Verão e, às tantas da noite, no Casal da Ladeira, deixamos as nossas mulheres dentro de casa e viemos cá para fora gozar o sereno e o luar de Agosto.

Há situações quase inexplicáveis, porque nessa noite, excedemos a rever os anos que passámos juntos e corriam pequenas metragens das nossas almas e há muito vividas, com animadas canções populares. Parecia que ainda teríamos muito para viver e contar e para não sermos maridos abusadores terminámos os festejos a três.

No ano seguinte soou a notícia que o Manel estava perdido com dois cancros na cabeça e em locais que não poderiam ser removidos. O médico autoriza-o a vir a Portugal e houve mais um encontro na casa do José Órfão.

Do Manel era um arremedo, a cortisona e demais medicação tornam o Manel quase irreconhecível. Já não houve festejos e o Manel já não era o chefe do clã Gaspar, que assumiu depois da partida do velho Ti Gaspar.

As despedidas de um jantar mais formal foram com as almas a sangrar e eu também não quis dar parte de fraco.

A Dona Rosário ainda quis ficar mais uns momentos connosco e nós não quisémos desautorizar o Frank e a nora. Hoje sinto que o devia ter feito, deixar a Tia Rosário despedir-se de nós para sempre com o tempo que ela achasse melhor. Pareceu-me que via no José Órfão e em mim a âncora que tinha perdido no seu Manel, pelo menos por momentos.

Em três idas ao Canadá (Costa Oeste) nunca se proporcionou visitar a Tia Rosário, que tinha deixado o seu ninho para residir num lar de velhos.

Entretanto, há pouco mais de um ano o José Órfão foi internado em Leiria e lá vou eu despedir-me dele. Na despedida beijei-o como a um irmão.

Passadas umas semanas vou ao seu funeral à Caranguejeira que mais pareciam as exéquias de um bispo, com cânticos e mais cânticos e uma grande igreja a abarrotar de gente a uma hora de trabalho numa quarta-feira, mexeram com o meu interior (acho que a gente de Leiria é abençoada pela Nossa Senhora de Fátima).

O meu pensamento passou a voltar-se mais para a Tia Rosaira como uma âncora de memórias afectivas e na quinta-feira (04FEV2021) chegou-me a mensagem do Frank: «Hello amigo Jorge! A Senhora Rosário disse Adeus à gente, para o Céu».

Até sempre Tia Rosaira! Se Deus me der vida, ainda vou publicar, em livro, a receita do «Bolo da Tia Rosaira» e voltar a trazê-la para o Casal da Ladeira e prometo que quero ir despedir-me da sua (e do Manel) figueira que nos oferecia uns figos maravilhosos.

Jorge Lage 09FEV2021

Jorge.j.lage@gmail.com

 

Nota: Na primeira foto (recente) da Tia Rosaira. Na foto da equipa no 4.º ano liceal, em 19664/65, tirada no Colégio Marista de Leiria – Pousos, e já partiu o Ir. Formiga (falecido) de batina da região de Leiria. Na mesma fila e a seguir: Jorge Lage, José Órfão (falecido), Manuel Daniel Martins (das Minas da Panasqueira e a viver em Castelo Branco), Manuel Gaspar (falecido), o guarda-redes (Paulo Borges, de Vale de Salgueiro e a viver no Mogadouro); em 2.ºplano: Silvino Amorim de Vilarelho – Chaves, o José António Serrano dos Reis de Murça e a viver em Palmela, António Gouveia de Brito de Alvoco da Serra – Seia e a viver no Cacém, João Félix de Torres Novas e a viver no Algarve, o António Rufino Lourenço de Vale Martinho – Mirandela (falecido) e o Joaquim Duque de Calvão – Chaves (falecido).

2 comentários:

  1. Cá está a «Importante Nota de Rodapé» como é apanágio do sr. Doutor, em tudo que seja livro de sua autoria !
    Nesta foto, a seguir ao senhor de batina, distingue-se perfeitamente o ícone telúrico e zelador atento que viria a ser, a tudo que é tradicionalmente do nosso povo!

    Saudações transmontanas...

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  2. Obrigado, M.ª da Graça! Não sei o que se passa com a nossa gente, porque ou anda espantada com o vírus chinês, ou anda distraída neste mundo. Apenas um me manifestou, em mensagem, um comentário (positivo). Mas só contamos os que estamos. Eu durante alguns anos ainda me senti envergonhado para revelar que tinha sido Marista. Sobre este assunto, quero pedir desculpa ao Rui Jorge, que deve viver em Montalegre, mas queria fazê-lo, não à socapa, mas na presença de muitos. Tenho sofrido muito pela vida fora. Mas, como diz o povo, «quem tem vergonha passa mal», assentei os pés em cima do granito e do xisto como os cordeiros ou cabritos e para a frente é que é o caminho. Depois, tenho conhecido na vida amigos e amigas que um dia ao partir me vão dar força para os últimos momentos. Devo muito aos amigos e amigas e a amiga M.ª da Graça sabe bem que não são palavras bonitas, mas sentidas. Como cristão e católico, todos os dia peço a Deus por todos. Santa Páscoa, M.ª da Graça!

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