ANTÓNIO MAGALHÃES
Como sou totalmente incapaz de dar uma resposta
resumida apenas a uma frase ou até mesmo um parágrafo, começo por contar uma
pequena história.
Há muitos, muitos anos, tantos que na época a
que me refiro nem se sonhava sequer com computadores que vinham a fazer parte
do quotidiano de cada cidadão, telemóveis, portáteis, tablets, e outras
modernices, eu escrevi um artigo para o saudoso “Noticias de Felgueiras”,
propriedade do não menos saudoso, senhor Nuno da tipografia, artigo esse que
tinha por titulo “O País da Patolândia”.
O artigo era sem dúvida alguma uma sátira ao
então presidente da república, Mário Soares, e a todos os portugueses, um e
outros, representados num país de patos, onde o presidente era o presidente
desses patos da Patolândia.
Quando entreguei o artigo na tipografia do
senhor Nuno ele estava ocupado com outros afazeres, por isso deixei a folha do
manuscrito a esferográfica em cima de uma secretária, (ou balcão? Já lá vão
mais de 30 anos), e fui à minha vida.
No dia seguinte, quando cheguei a casa vindo do
trabalho, a minha mãe disse-me, “o senhor Nuno da tipografia ligou pra í, e disse que tem urgência em falar contigo
antes de publicar lá o teu artigo. E acrescentou, “vê lá no que te metes…”
Fiquei curiosíssimo, por isso fui à tipografia.
O senhor Nuno,
- Ó Magalhães, o artigo até está engraçadito,
mas ó pá…tu estás a chamar pato ao nosso presidente da república.
Como eu era novo e cheio de ideias
progressistas, e também tinha a mania que não tinha medo a nada, (hoje sei que
escrevo o que penso, de maneira responsável, muito embora na altura não me
apercebesse que era de maneira responsável, perguntei ao senhor Nuno,
- E…?
- E… - respondeu ele quase a balançar de um pé
para o outro, - ó pá eu até tenho receio que publicando isto tu vás preso…
É claro que eu estava, como estou, convicto de
que tudo o que eu criticava no artigo tinha a sua razão de ser, e de mais a
mais, muito embora quem lê-se o artigo sabia bem ao que, e a quem eu me
referia, talvez influenciado pela “Animal Farm” de Orson Welles, eu substituí o
presidente por um pato, o país pela Patolândia, e os seus habitantes, eu incluído, por
patos, por isso, no meu extenso e convincente argumento com o senhor Nuno, lá
lhe disse,
- Senhor Nuno, o artigo está assinado em baixo
com o nome “Oliveira Magalhães” (nessa época era como eu assinava os meus
artigos), não está? Então não se preocupe, eu sou o responsável pelo que
escrevo.
O senhor Nuno ficou convencido, publicou o
artigo e nunca me prenderam por causa disso.
É claro que, o senhor Nuno da tipografia, bem
como uma grande parte da população sentiam ainda os efeitos secundários de uma
ditadura fascista que durante 48 anos vergou o país e o seu povo ao domínio
subjugador de um chefe de estado chamado Salazar, e os seus Salazaristas, e eu
percebi que como qualquer efeito secundário, as coisas levam o seu tempo para
voltarem ao normal.
Na minha opinião, uma das bases de uma
democracia é a crítica e o direito fundamental de cada cidadão de a fazer,
sobretudo a quem tem o destino do povo nas mãos, ou pelo menos uma boa parte
desse destino. Mas nem sempre a crítica pode ser levada a sério, principalmente
quando essa crítica tem razões profundamente e flagrantemente partidárias. Cada
um puxa a brasa para a sua sardinha.
Por isso é que vejo sempre as críticas
partidárias com uma certa distância e frieza até. Ligo-lhes pouca importância,
mas irrita-me à brava que nos ecos dessas críticas, grande parte deles
explícitos no Facebook, talvez por ser mais mediático e corriqueiro ao mesmo
tempo, se escrevam frases como, “somos um país de corruptos”, ou “Portugal é um
bando de ladrões”.
Alto lá com o andor. Somos, vírgula. É certo que
existe alguns malandros a roubar aquilo que pertence ao povo, é certo que na
política e até mesmo em certas instituições há quem tire partido do poder de
decisão que tem em mãos para encher a bunda de dinheiro que não lhe pertence
por direito, mas daí a generalizar, a dizer, somos um país de corruptos ou
ladrões, isso já é uma ofensa a cada cidadão português, que a maior parte é
digno, sério, trabalhador e pacato, (por vezes pacato de mais).
O grande escritor Miguel Torga ilustrou num
parágrafo o retrato do povo português que define bem a nossa maneira única de
ser e contradiz os profetas do maldizer com as afirmações acima referidas. “Que
povo este! Fazem-lhe tudo, tiram-lhe tudo, negam-lhe tudo, e continua a
ajoelhar-se quando passa a procissão.
Estou de acordo com o Raúl Reis quando diz no
seu artigo que nós os
portugueses, podemos criticar Portugal porque o país é nosso – os estrangeiros
não têm direito a criticar. Mas criticarmos o nosso país não é, nem pode ser,
uma desculpa para meter tudo no mesmo saco.
É bem verdade que não sabemos muito bem
valorizar ou promover de maneira mais entusiástica o que temos e criamos, e o Raúl
explicou isso de maneira bem humorística na metáfora entre o italiano e o
português quando um e o outro vai à casa de banho para o número dois.
Um, faz a festa, atira os foguetes e apanha as
canas, para as vender de seguida, e o outro, contenta-se com a festa, muito
embora não passe também sem os foguetes.
Na minha modesta opinião, nós os portugueses temos uma relação com o nosso
país muito semelhante à do casal que vive juntos por muitos e longos felizes
anos.
Porque a mais bela rosa também tem espinhos, nos
dias mais espinhosos do casal às vezes até gritam palavras um ao outro que lhes
saem da raiva do momento, e não do coração, até dizem o que verdadeiramente não
sentem, mas que no momento parece adequado ao argumento que despoletou os
arrufos, mas um e o outro no fundo sabem que a maior tempestade também acaba
por passar, e os dois sabem que não passam um sem o outro.
Pior ainda, e este pior é uma das ratoeiras da
língua portuguesa, porque de facto aqui o pior é, se analisado à lupa, o
melhor, e se um dos dois é um pouco mais sensível a semelhantes emoções e deixa
cair uma lágrima, ou porque o coração também tem as suas fragilidades perante
estas tempestades, deita a mão ao peito, o outro esquece imediatamente o
argumento, o motivo dele, e os seus objetivos, e corre sem hesitar em auxílio
da sua cara metade.
E por vezes, se um dos cônjuges em conversa com
aquele grupo mais restrito de amigos, ou amigas, deixa escapar uns desabafos em
relação ao parceiro/a, o melhor é ouvir e não concordar ou discordar, porque se
se pensa que o desabafo espera ouvir coisas como, - pois claro, ela não presta
para nada, ou, ai filha, eu sempre pensei que o teu marido era um idiota, -
então é aí quando a coisa muda de figura. No seu mais desesperado desabafo, que
às vezes não carrega mais do que anos de intervalada monotonia, o marido não
admite que lhe falem mal da sua esposa, mesmo que tenha sido ele a dar a
impressão de que a conversa poderia enveredar por esse caminho, e a esposa
começa logo a afinar se lhe recalcam os seus próprios desabafos. – Deixa lá que
o teu não é nada melhor…
Uma vez mais, tem razão o Raúl quando diz no seu
artigo que nós, e
só nós,
temos direito de criticar o nosso país porque o amamos. E tal como o casal,
“defendemo-lo com unhas e dentes diante do mais pintado”.
Se é verdade que nos promovemos pouco em relação
às nossas qualidades e capacidades, mesmo quando no número dois sai uma pérola
que por acaso havia sido engolida por engano, se é verdade que somos humildes
ao ponto de nos fazerem tudo, tirarem tudo, negarem tudo e mesmo assim nos
ajoelhamos ao passar da procissão, (Talvez tenha sido apesar de tudo esta fé
que nos levou aos quatro cantos do mundo) desde bem pequeno que eu sempre
pensei que não há povo mais otimista do que o português.
Um tipo sai de casa no seu carro, tem um
acidente, morre. Aparece sempre uma boa quantidade de pessoas a afirmar, - Teve
sorte, podia ter ficado paralisado para o resto da vida. Mas se o mesmo tipo,
no mesmo acidente ficou todo partido, todo desancado, paralisado para o resto
da vida, - Teve sorte, podia ter morrido. Paralisado ou morto é sempre um tipo
cheio de sorte.
Se isto não é otimismo então não sei o que
otimismo significa.
Somos portugueses.
Detestamos o nosso país…
Alguém aí disse alguma coisa…?
António Magalhães
Quando me acerco de um bom texto e que me agrada, quando vou ver quem escreve e vejo que é do norte fico logo cheio de empáfia, orgulho...
ResponderEliminarSou do norte, Felgueiras, e a minha mae è de Vila Real de Tras dos Montes. O meu falecido pai era conhecido pelo Sr. Vila Real. Por isso as minhas raizes sao Transmontanas. Com muito orgulho.
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