ANTÓNIO MAGALHÃES
O seu mal senhor Ernesto, é que o senhor é… bem,
como hei de dizer…é… é…olhe…é muito Ernesto, pronto.
O senhor Ernesto, que já tinha tirado o boné da
cabeça assim que entrou na receção do edifício, ficou por momentos a olhar a
rececionista, deixou escapar um pequeno suspiro e finalmente respondeu,
Pois menina, de facto sou muito Ernesto desde o
dia em que me botaram uma fatiota no meu corpo frágil e recém-nascido e me
inclinaram a cabeça para a pia onde o senhor abade me regou com um punhado de
água benta, e disse,
(E ao dizer isto fez o sinal da cruz numa
espécie de versão rápida, beijou o indicador que dobrou em forma de gancho e
finalizou}
em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo me
batizou com o nome de Ernesto da Consolação, Ainda por cima,
disse a rececionista,
Não lhe bastava ser Ernesto e ainda fica
consolado com isso.
A menina nem sequer sorriu ao dizer isto. Mexia
numa papelada que se encontrava em cima da sua secretária bastante desarrumada,
e de vez em quando levantava os olhos à medida que falava com o senhor Ernesto.
Não se pode confiar nas pessoas, vivemos num
mundo muito traiçoeiro e cheio de oportunistas cruéis, Nem todas as pessoas são
iguais menina, temos que continuar a confiar que ainda há gente boa, senão de
que nos vale andar neste mundo, Ora, ora, senhor Ernesto, é como eu digo, você
é muito Ernesto, Já o tinha dito menina, Pois, mas não seja, assim não vai a
lado nenhum, Sabe menina, a minha educação foi orientada por valores de
humildade, respeito, e acima de tudo muito amor pelo próximo, porque quem não é
capaz de amar o próximo não é capaz de se amar a si mesmo, e como consequência
disso não só não vive em paz como também nunca chega a ser verdadeiramente
feliz, Sabe senhor Ernesto, a felicidade às vezes é como o sol num céu
polvilhado de nuvens, quando menos se
espera ele é coberto por uma dessas nuvens e deixa de brilhar, e depois a nuvem
passa e ele volta a brilhar até que venha outra e o encubra novamente, às vezes as pessoas são como as nuvens que
encobrem o sol, É verdade menina, por isso é que a felicidade não pode depender
nem de pessoas nem de circunstâncias ou senão
será muito invariável, a
felicidade vem de dentro de nós, tem que ser trabalhada como um estado de
espírito, Isso é que é mais difícil senhor Ernesto quando há certas pessoas que
nos podem encobrir o sol da nossa vida de tal maneira que não há estado de
espírito feliz o suficiente para que se lhe resista, A última escolha é sempre
nossa menina, e uma pessoa num estado de felicidade, se o souber trabalhar de
maneira natural quebra qualquer onda negativa,
a procura da verdadeira felicidade tem sido difícil de encontrar para
muita gente porque as pessoas a procuram em todo o lado e em tudo, menos dentro
de si mesmas, sabe menina, a vida é
curta de mais para que a possamos viver sem dela lhe encontrarmos o verdadeiro
propósito, a verdadeira razão da nossa existência, e para mim, que outra razão
um ser humano pode ter a não ser a procura da verdadeira felicidade, Lá isso é
verdade senhor Ernesto, até concordo consigo, há muita gente que nasce, vive e
morre sem saber o que felicidade significa, quero dizer…verdadeira felicidade,
duradoura, muita gente até chega a
pensar que a encontrou, mas ela desvanecesse mais depressa do que se alcançou,
É como lhe digo menina, as pessoas que procuram a felicidade em todo o lado e
em tudo, menos dentro de si, nunca chegam a ser verdadeiramente felizes, apenas
têm breves momentos de uma felicidade que acaba por ser muito sobressaltada
porque depende sempre de outras pessoas, mesmo as que mais se amam, ou de
circunstâncias, a felicidade está dentro
de nós, e a
procura dela em tudo menos onde ela está, já é por si só a causa de
infelicidade, talvez que um dia quando
deixarmos de a procurar ela apenas surja de maneira simplesmente natural, Ai
sim senhor Ernesto, aí está você a divagar com as suas filosofias, e como se
faz isso então, A verdadeira felicidade é a capacidade de amar, e de ser amado
pelos outros, é a coragem, é a nossa bondade, a nossa gratidão, a nossa força,
a nossa bravura, enfim a nossa felicidade é o que faz a vida valer a pena,
encontre-se a si mesma menina, encontre-se a si mesma e encontra a felicidade,
olhe para dentro de si, e no absoluto silêncio da mente ouça-se verdadeiramente, não deixe que os constantes
pensamentos a confundam.
(Diário das pequenas reflexões)
António
Magalhães
Nota do autor – José Saramago nasceu a 16 de
Novembro de 1922. É sem dúvida alguma o meu escritor favorito de todos os
tempos.
José Saramago criou uma nova maneira de escrever
que jamais poderá ser igualável, pelo simples facto de que é única e muito
pessoal.
Sem querer estar a imitar o grande Mestre, até porque mesmo que fosse, (e não é) essa a minha intenção, não teria essa capacidade, este texto é a minha homenagem ao meu ídolo literário, o meu reconhecido agradecimento por todos os livros que nos deixou para ler, e por toda a magia com que ao lê-los eles nos encantam.
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