O protocolo de doação da biblioteca
(40 mil livros) do escritor e bibliófilo argentino-canadiano Alberto Manguel
foi assinado ontem na Feira do Livro de Lisboa, com o objectivo de compor o
futuro Centro de Estudos da História da Leitura, que passará a dirigir na
capital portuguesa. A sessão teve lugar às 18H00, no Pavilhão Carlos Lopes,
com apresentação do futuro Centro de Estudos da História da Leitura.
A biblioteca de Alberto Manguel,
escritor, ensaísta, editor e tradutor, inclui sobretudo obras de literatura e
não ficção nas áreas das artes e humanidades.
Esta coleção vai fazer parte do
futuro Centro de Estudos de História da Leitura, que nascerá em Lisboa, no
Palacete dos Marqueses de Pombal, na rua das Janelas Verdes, na proximidade do
Museu Nacional de Arte Antiga.
Entre os membros do Conselho
Honorário do futuro centro de estudos, contam-se escritores como Olga Tokarczuk
(Prémio Nobel da Literatura de 2018), Salman Rushdie, Margaret Atwood e o
músico e escritor brasileiro Chico Buarque, Prémio Camões 2019, bem como o
poeta e cardeal português Tolentino de Mendonça, atualmente Arquivista e
Bibliotecário do Vaticano.
Nascido em 1948, em Buenos Aires,
Alberto Manguel cresceu em Israel e na Argentina, porque o seu pai era
diplomata, o que lhe proporcionou uma infância solitária, salva pela companhia
dos livros.
Numa obra publicada em 2019,
“Monstros Fabulosos”, na qual recupera as personagens imaginárias que conheceu
nas suas leituras de infância, o autor recorda que passou a infância a viajar
de casa em casa, e que os quartos em que dormia mudavam constantemente, sendo
nos livros que se ancorava e encontrava conforto e segurança.
“Só a minha pequena biblioteca
permanecia igual, e lembro-me do imenso alívio que sentia quando, novamente
enroscado numa cama desconhecida, abria os meus livros e, ali, na página
esperada, se encontrava a mesma história de sempre, a mesma ilustração de
sempre”.
Autor de uma vasta bibliografia, entre
a qual se contam ‘best-sellers’ internacionais como “Dicionário de Lugares
Imaginários”, “Uma História da Curiosidade” e “A Biblioteca à Noite” (editados
pela Tinta-da-China), Alberto Manguel foi, entre 2016 e 2018, diretor da
Biblioteca Nacional da Argentina, cargo que fora anteriormente ocupado por
outro escritor e bibliófilo argentino, Jorge Luis Borges, de quem Alberto Manguel
fora, em jovem, leitor.
Tudo começou quando Manguel tinha 16
anos, andava na escola e trabalhava numa livraria anglo-alemã, em Buenos Aires,
chamada Pygmalion; Jorge Luis Borges, 65 anos, era frequentador assíduo dessa
livraria.
Borges entrava na Pygmalion ao final
da tarde, quando voltava do trabalho na Biblioteca Nacional da Argentina, de
que era diretor, e certo dia, depois de escolher alguns livros, perguntou ao
jovem Alberto Manguel se podia ler para ele à noite, pois estava a ficar cego e
a mãe, já na casa dos 90, se cansava facilmente.
Esta história é relatada por Alberto
Manguel num livro recentemente editado pela Tinta-da-China, “Com Borges”, que é
uma “homenagem” ao autor de “Ficções” e simultaneamente uma “memória afetiva”
entre os dois escritores, como descreve o próprio autor.
Foi depois de terminado o período de
quatro anos (entre 1964 e 1968) em que foi leitor de Borges, que Alberto
Manguel se mudou para a Europa, tendo vivido entre Espanha, França, Itália e
Inglaterra.
Editou cerca de uma dezena de
antologias de contos, sobre temas tão diversos como o fantástico ou a
literatura erótica. É ensaísta e romancista premiado, tendo recebido, entre
outros, o Prémio Formentor das Letras, em 2017, pela obra “Embalando a minha
biblioteca” (Tinta-da-China), na qual descreve a penosa tarefa de desmontar a
sua biblioteca.
Considerada uma das suas obras mais
pessoais, este romance é um “comovente obituário da uma biblioteca”, na medida
em que relata a “melancólica” operação de encaixotar os seus 35 mil livros, que
habitavam num antigo presbitério em França.
No início do século, Alberto Manguel
instalara a sua imensa biblioteca num antigo presbitério do Vale do Loire e
sentiu que encontrara uma casa para si e para os seus livros, mas essa morada
acabou por não ser permanente e os milhares de livros de Manguel acabaram guardados
em caixotes no Canadá.
A partir deste acontecimento, o
autor reflete sobre a natureza da relação entre leitores e os seus livros,
sobre o lugar primordial que deve ser ocupado pelos livros e sobre a
importância das bibliotecas nas sociedades civilizadas e democráticas.
Agora, a biblioteca de Alberto Manguel
encontra uma nova morada, em Lisboa, e um novo destino, o de poder servir a
todos, cumprindo um desejo do escritor, que sempre lutou pelo fomento da
leitura, numa sociedade marcada pelo consumismo, pela falta de ética e por uma
evolução tecnológica que retirou importância aos livros, conduzindo a uma
valorização do “rápido e fácil”, como afirmou.
Em 2018 a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa publicou uma antologia de autores transmontanos, durienses e da Beira Transmontana (Exoterra), onde dedicou ao escritor argentino (Jorge Luís Borges) de ascendência transmontana, duas páginas, considerando-o um dos seus. Aí se faz referência ao seu poema “Os Borges” e à viagem não realizada a Moncorvo.
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