1. O PSD propôs e o PS
aproveitou: precisamente numa conjuntura em que tantas decisões e tão graves
devem ser tomadas, o escrutínio do Parlamento sobre os actos do Governo foi
deploravelmente amputado. E aparentemente insatisfeitos com o modo como contribuíram
para o crescimento do populismo, PSD e PS aproveitaram esta machadada na
democracia para enterrar ainda mais o cutelo: o número de assinaturas para
validar uma petição cidadã passou de quatro mil para 10 mil. Ou seja, é mais
fácil agora criar um novo partido (7500 assinaturas) que levar o Parlamento a
discutir uma causa proposta por eleitores.
Que Parlamento vai
ficando? O que representa o Povo ou, cada vez mais, o que os representa só a
eles, convenientemente imprestável para os fiscalizar e para ser eco das
preocupações dos cidadãos? Admiram-se, assim, que André Ventura cresça?
As máquinas partidárias
do PSD e do PS fundiram-se na cultura rasca que nos toma por idiotas. Os
leitores que me perdoem o plebeísmo, mas, alentejano de gema que sou, sei, desde
tenra idade, que para trás só mija a burra.
2. Elogiar a dedicação
dos professores para salvar o possível do ano escolar que passou é consolo
débil para enfrentar a falta de condições que se adivinham no que ao próximo
respeita. Aos baixos salários dos docentes e às suas penosas perspectivas de
carreira, acrescem agora as dificuldades dos alunos que, impiedosamente, mais
atingirão aqueles que, antes da covid-19, já viviam a pandemia da exclusão e do
abandono. A este propósito, o ministro da propaganda educativa tem repetido o
feito até à náusea: as escolas do continente irão ter mais 2500 professores com
horário completo, para ajudar a recuperar o que se perdeu no ano anterior e
para superar as ciclópicas dificuldades do que vai vir. Não fora ele um bom
filiado na cultura política que nos toma por parvos e poderia dar a nova de
outro modo: para o reforço anunciado, em média, a cada escola caberá meio
professor; ou, se preferirem, a cada um destes docentes caberão 617 alunos.
3. O que se viveu desde
Março não abriu os olhos aos que governam a Educação. Os ministeriais éditos
anunciaram aos indígenas que estão a ser preparados “documentos de apoio para
orientar e apoiar as escolas neste trabalho [de recuperação em cinco semanas do
que se terá perdido nos seis meses de encerramento das escolas], no qual se
explicitam os princípios para a identificação de aprendizagens que, quando não
adquiridas, são impeditivas de progressão”. O criador das “bolhas” de alunos
avançou agora com “balões” de escolas e “borbulhas” de professores. Como se
umas e outros precisassem da orientação de quem ignora. Como se a diversidade
de problemas (diferentes consoante os anos de escolaridade, muito diferentes no
que respeita a contextos e a recursos de cada escola, abissais se tivermos em
conta o aumento exponencial das desigualdades entre os alunos e as suas
necessidades específicas) fosse agora solucionável, trocando um qualquer
“Catecismo da Flexibilidade Curricular” por um qualquer “Guia Único da Retoma
em Cinco Semanas”. Uma política de ensino assente em falácias, que menorizam o
conhecimento e a independência profissional e intelectual dos professores, só
pode dar nova vaga de mediocridade.
4. Um relatório do
Tribunal de Contas (TC) veio dizer que os números usados oficialmente para
caracterizar o abandono escolar em Portugal, os mesmos que por extensão figuram
depois nas estatísticas da OCDE e da EU, não são fiáveis. O relatório é bem
claro quando afirma que “não existem, no sistema educativo nacional,
indicadores para medir o abandono. De facto, nem o indicador internacional, o
do INE, que incide nos jovens dos 18 aos 24 anos e que resulta do Inquérito ao
Emprego, nem a Taxa de Retenção e Desistência, calculada pela Direção-Geral de
Estatísticas da Educação e Ciência e centrada no desempenho estático de um ano
letivo, são adequados para medir o abandono.”
Para quem acompanha de
perto a gestão política da educação nacional, não é novo o que o TC disse. Mas
ganha relevância por ser dito pelo TC e no momento em que a pandemia agigantou
os problemas de fundo do ensino, problemas para cuja solução se mostraram
incapazes os dois últimos governos do PS. Quando não se quer ou se é incapaz de
sentir e perceber a realidade, martelar as estatísticas ajuda.
*Professor do ensino
superior
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