CHIADO - LISBOA |
Fernando Pessoa um dia disse…” É preciso ter uma enorme força de vontade para nada fazer, quando tenho tanto que fazer.”Fernando Pessoa era assim, dizia coisas, muitas coisas. Algumas delas, provavelmente bem mais do que ele mesmo o desejaria, nem sempre as completava, apesar da maneira brilhante e prometedora com que as começava. Mas… vá-se la entender uma mente de génio que percebe e admite com uma simplicidade e corajosa hombridade, factos tão óbvios que advêm quem sabe, de uma mente em quase constante desassossego, sem subterfúgios ou desculpas esfarrapadas, não se descurando também o facto de que, entre muitas outras vicissitudes da vida, uns calicezinhos de aguardente da tasca do Abel, têm a sua quota parte no aparecimento de certas frases, simples, e de tão simples tão geniais, únicas, por vezes agradavelmente irónicas.
E nesta perspetiva, apetece-me usar o método do meu amigo Leonardo que
um dia em conversa com um grupo de ilustres ignorantes não se cansava de
repetir frases como…”Ele é o maior”, ou, “Ninguém é melhor do que ele” ou até
mesmo, “Ele é único, genial…”, até que um dos ilustres, que apesar de ignorante
era também de compreensão lenta, lhe perguntasse,
“Ele, ele…, mas ele quem?”
Ao que o meu amigo Leonardo prontamente lhe respondeu, “Eu, claro. Falo
sempre de mim na terceira pessoa do singular…”
O meu amigo Leonardo não era nem de longe nem de perto um génio, e tanto
quanto se sabe da sua atitude perante a vida, não se lhe denotava uma pequena
ponta que fosse, de desassossego, mas o meu amigo Leonardo, também dizia
coisas, e pelo menos uma vez na sua vida, disse uma das coisas que guardo na
memória com a mesma intensidade que guardei a frase de Fernando Pessoa, uma vez
que, por razões diferentes é certo, me servem de auxilio, aqui e ali, quando me
falta a minha própria originalidade, quiçá talento, para completar certas
frases que mil palavras não explicariam.
Ele… por vezes tem ideias, e não fosse a enorme força de vontade que
tem, para nada fazer, quando as ideias dão à luz páginas que vão perdendo a sua
fúria à medida que essa força de vontade vai ganhando resistência, e, se calhar
um dia até daria por concluído um cem número de páginas que irremediavelmente
se vão fundindo e confundindo em projetos nunca acabados.
Não se discute aqui qualidade ou genialidade nessas ideias que ele,
secretamente sem o querer dizer de boca cheia, a maior parte das vezes sabe que
surgem como verdadeiros momentos de inspiração.
Mas depois temos o tempo que não perdura. Que é bem mais escasso do que
em relação a ele a maior parte das vezes se é percetível.
Ele não é o maior, claro que não é. Também se sabe, sem que para isso se
tenha que ir a Coimbra, que ele nem é único, muito menos genial. Mas ele tem
momentos de inspiração…e…como consequência disso, diz coisas. Estranhe-se, e
depois entranhe-se se for caso disso, que um dia ele até reparou que, num dos
poemas alguém retirou um verso que fez questão de sublinhar. “Longe estou dos
que trago no pensamento, por isso os alojei no meu coração, para que estejam
comigo a todo o momento, como quem da tempestade acalma o vento, como quem os
tem sempre à mão.
Não se pode dizer que o verso tenha o mesmo peso e a mesma simples, mas
densa intensidade, que tem a frase de Fernando Pessoa, ou, como no caso do meu
amigo Leonardo, o vago subterfúgio de quem parece querer camuflar alguma
espécie de reconhecimento próprio, refugiando-se a si mesmo na terceira pessoa
do singular, mas o que é facto, apesar de tudo nada novo, porque sobejamente
conhecido, todos, os que escrevem, com mais ou menos inspiração, sabem que têm
em mãos uma arma que não sendo manejada com precaução, cautela e prudência, pode
ferir ou até mesmo matar.
E porque as palavras, para quem nem sempre as sabe manejar de maneira
apropriada, podem acabar em frases como a do parágrafo que antecede este mesmo
que agora se escreve, falando em alhos, quando a ideia era falar de bugalhos,
apraz-se emendar sem mais delongas, esta coisa da arma que os que escrevem têm
em mãos, porque, o que se pretendia dizer é que, o que para muitos nada possa
dizer, haverá sempre alguém, algures, que se possa identificar com o que foi
dito, e nesse caso, o que foi dito, ou escrito, acompanhará essa pessoa para se
manifestar de maneira simplesmente natural, quando for caso disso.
A frase genial de Fernando Pessoa, “É preciso ter uma enorme força de
vontade para nada fazer, quando tenho tanto que fazer” e o meu amigo Leonardo
quando afirmou, “Eu claro, falo sempre de mim na terceira pessoa do singular”,
para la do que uma e outra frase têm de significado para mim, nas alturas em
que ao longo da minha vida de maneira natural elas se manifestam quando é caso
disso, fazem-me entender apesar de tudo, a responsabilidade e a importância que
a escrita tem.
Ele, sempre soube disso, e só pegou em Fernando Pessoa e o Leonardo,
para ao divagar sobre algo por eles dito e escrito, mais do que admitir o que
sempre foi obvio, atirasse com algumas cinzas para a fogueira, que arde, mas
arde sem se ver. Pelo menos assim, a olho nu.
(Retalhos do Quotidiano, Página 99)
"GANHA FAMA E DEITA-TE NA CAMA" - Se Fernando Pessoa escrevesse poemas como este que aqui está ...
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