quarta-feira, 6 de maio de 2020

Favas

                                                           No Twitter

Pelo Natal sacha o faval!
O meu amigo, Miguel Boieiro, que foi entre vários cargos políticos, Presidente do Município de Alcochete, no tempo de um governo  central que tinha um «ministro pinóquio», no dizer dos investigadores judiciários ingleses.
Para o caso importa dizer que o Miguel Boieiro é um grande impulsionador do Esperanto como língua universal e actual Presidente da Liga de Naturalogia Portuguesa.
Seja como for, é um adepto do desenvolvimento sustentável e saudável e contra o consumismo desenfreado.
Periodicamente tenho o prazer de receber as suas crónicas fitológicas dentro de uma perspectiva de se poder beneficiar ao máximo com as propriedades das plantas e dos frutos ou alimentos mais saudáveis.
Mas vamos ao interessante texto anexo, porque «as favas Maio as dá, Maio as leva».
JL


Por Miguel Boieiro

Favas
- Não gosto de favas, prefiro ervilhas!
- Fazes mal rapaz! Comes uma sopa de ervilhas e logo que fores dar-de-corpo, sai-te uma caca rala sem graça nenhuma. Se, pelo contrário, comeres uma boa pratada de favas com azeite e coentros, quando fores obrar, vem um excremento direitinho e elegante que se mantém de pé e até parece um marco de partilhas.
Este “saboroso” diálogo, que retive nos entrefolhos da memória, entre um avô manhoso e um neto niquento, tem mais de 60 anos e foi proferido num português bem vernáculo que evitei reproduzir para não ferir suscetibilidades de leitores sensíveis. O burlesco episódio aconteceu em ambiente campestre numa altura em que as condições de vida se mostravam bem diferentes daquelas que hoje desfrutamos. As casas eram de paredes de adobe e chão de barro batido. Eletricidade não havia, nem água canalizada, nem esgotos, nem casas-de-banho, tampouco papel higiénico. As pessoas programavam o seu “dar-de-corpo” num sítio qualquer arredado das vistas, preferencialmente quando anoitecia. Os marcos de partilhas eram paralelepípedos de cimento ou calcário que dividiam as propriedades e fixavam as extremas. Por altura da Páscoa vinham as ervilhas e as favas e as ementas deixavam de ser, episodicamente, o chamado “fado-corrido”. Ambas as leguminosas chegavam na mesma época e não sendo antagónicas, havia que optar pela que se gostava mais. Alguns petizes preferiam as ervilhas cujo sabor era menos forte e ligeiramente adocicado. Coisas de outros tempos!
É incerta a origem das favas, embora a maior parte dos autores aponte para o médio oriente e para a bacia mediterrânica. Crê-se que já nos tempos pré-históricos elas eram apreciadas como legumes comestíveis preparados de várias formas. Quando ainda são tenrinhas podem-se cozinhar com as próprias vagens como o feijão-verde. Se estiverem secas colocam-se de molho para extrair o tegumento coriáceo que as envolve e proporcionam a chamada fava-rica, a qual noutras épocas, era apregoada e vendida à medida, porta-porta, pelas ruas de Lisboa.
 A faveira, ou Vicia faba, da família das Fabaceae, é uma herbácea anual muito conhecida em todo o mundo. Realce-se a grande representatividade deste vegetal, escolhido pelos botânicos para designar o conjunto das leguminosas (feijão, grão-de-bico, ervilha, tremoço, chícharo, lentilha, etc.), cuja particularidade especial é a de captar azoto atmosférico e libertá-lo no solo através de nódulos das suas raízes.
Na minha pequena horta sempre semeio favas. Obedeço piamente ao adágio popular “nos Santos favas pelos cantos”, sugerindo que sementeira deve ser feita a partir do início de novembro. É que, para além da produção, a terra beneficia do chamado composto verde, uma vez que, pelo menos 20% do azoto fixado pelas raízes da leguminosa, fica a nitrificar o solo, favorecendo os outros cultivos.
Quanto à sua constituição física, não é demais referir que as faveiras são providas de caules fortes de secção quadrangular que podem atingir 1,80 metros de altura, com folhas alternadas verde acinzentadas compostas e paripinuladas. As flores, agrupadas de 5 a 8 com corola papilionácea, brancas ou cremes têm uma mancha escura nas pétalas. Embora hermafroditas e auto-férteis, libertam um odor característico que atrai os insetos polinizadores. As vagens são alongadas tendo na sua parte interna um revestimento branco esponjoso e feltrado para proteger as sementes. Cada fava pode pesar até dois gramas e o seu poder germinativo, ou dormência, dura quatro ou mais anos.
Vicia faba – Wikipédia, a enciclopédia livreHá inúmeras variedades de Vicia faba mas quero fazer uma ligeira referência à variedade equina que, em Portugal chamamos fava-ratinha. As suas sementes são redondas e mais pequenas não excedendo 0,8 g de peso unitário. Tradicionalmente têm sido utilizadas na Europa para as rações animais. Todavia, hoje começa a ser fortemente estimulada a sua sementeira com destino ao consumo humano (“À la découverte de la Féverole” publicada pela Terres Oléo Pro – fileira francesa dos óleos e proteínas vegetais)
Principais constituintes das favas: hidratos de carbono (58%), proteína (26%), cálcio, potássio, fósforo, magnésio, caroteno, vitaminas B1, B2 e C.
Para além do sua função alimentar que pode substituir com vantagem a soja de produção transgénica, aponta-se algumas propriedades terapêuticas das favas, a saber: antioxidantes, digestivas, anti-inflamatórias, diuréticas, expectorantes, anti tumorais, prevenindo o envelhecimento precoce e fortalecendo o sistema imunitário.
A parte interna das vagens é usada para eliminar verrugas. Dizem que se forem esfregadas várias vezes, as verrugas acabam por desaparecer.
Menciona-se, não obstante, um inconveniente importante relacionado com pessoas alérgicas ao “favismo”. Tal alergia, proveniente de substâncias presentes nas flores das favas, pode desencadear desordens do metabolismo e provocar anemia.
Finalmente, mais um aviso! A fava constitui de facto uma excelente opção de sementeira pois não necessita de terreno muito estrumado e dá boa produção se beneficiar de sol e chuva primaveril. Contudo, se repetirmos o cultivo sempre na mesma parcela, acaba por despoletar o aparecimento de uma planta parasita (Orobanche crenata), conhecida como rabo-de-raposa, que paulatinamente esgota o solo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nova Tertúlia de Mentirosos

  SINOPSE   BERTRAND As melhores histórias do mundo são anónimas. São contos, são filosóficos e vêm do mundo inteiro. São zen ou sufi, chi...