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O meu amigo, Miguel Boieiro, que foi
entre vários cargos políticos, Presidente do Município de Alcochete, no tempo
de um governo central que tinha um «ministro pinóquio», no dizer dos
investigadores judiciários ingleses.
Para o caso importa dizer que o Miguel
Boieiro é um grande impulsionador do Esperanto como língua universal e actual
Presidente da Liga de Naturalogia Portuguesa.
Seja como for, é um adepto do
desenvolvimento sustentável e saudável e contra o consumismo desenfreado.
Periodicamente tenho o prazer de receber
as suas crónicas fitológicas dentro de uma perspectiva de se poder beneficiar
ao máximo com as propriedades das plantas e dos frutos ou alimentos mais
saudáveis.
Mas vamos ao interessante texto anexo,
porque «as favas Maio as dá, Maio as leva».
JL
Por Miguel Boieiro
Favas
- Não gosto de favas,
prefiro ervilhas!
- Fazes mal rapaz!
Comes uma sopa de ervilhas e logo que fores dar-de-corpo, sai-te uma caca rala
sem graça nenhuma. Se, pelo contrário, comeres uma boa pratada de favas com
azeite e coentros, quando fores obrar, vem um excremento direitinho e elegante
que se mantém de pé e até parece um marco de partilhas.
Este “saboroso” diálogo, que retive nos entrefolhos da
memória, entre um avô manhoso e um neto niquento, tem mais de 60 anos e foi
proferido num português bem vernáculo que evitei reproduzir para não ferir
suscetibilidades de leitores sensíveis. O burlesco episódio aconteceu em
ambiente campestre numa altura em que as condições de vida se mostravam bem
diferentes daquelas que hoje desfrutamos. As casas eram de paredes de adobe e
chão de barro batido. Eletricidade não havia, nem água canalizada, nem esgotos,
nem casas-de-banho, tampouco papel higiénico. As pessoas programavam o seu
“dar-de-corpo” num sítio qualquer arredado das vistas, preferencialmente quando
anoitecia. Os marcos de partilhas eram paralelepípedos de cimento ou calcário
que dividiam as propriedades e fixavam as extremas. Por altura da Páscoa vinham
as ervilhas e as favas e as ementas deixavam de ser, episodicamente, o chamado
“fado-corrido”. Ambas as leguminosas chegavam na mesma época e não sendo
antagónicas, havia que optar pela que se gostava mais. Alguns petizes preferiam
as ervilhas cujo sabor era menos forte e ligeiramente adocicado. Coisas de
outros tempos!
É incerta a origem das favas, embora a maior parte dos
autores aponte para o médio oriente e para a bacia mediterrânica. Crê-se que já
nos tempos pré-históricos elas eram apreciadas como legumes comestíveis
preparados de várias formas. Quando ainda são tenrinhas podem-se cozinhar com
as próprias vagens como o feijão-verde. Se estiverem secas colocam-se de molho
para extrair o tegumento coriáceo que as envolve e proporcionam a chamada
fava-rica, a qual noutras épocas, era apregoada e vendida à medida, porta-porta,
pelas ruas de Lisboa.
A faveira, ou Vicia faba, da família das Fabaceae, é uma herbácea anual muito
conhecida em todo o mundo. Realce-se a grande representatividade deste vegetal,
escolhido pelos botânicos para designar o conjunto das leguminosas (feijão,
grão-de-bico, ervilha, tremoço, chícharo, lentilha, etc.), cuja particularidade
especial é a de captar azoto atmosférico e libertá-lo no solo através de
nódulos das suas raízes.
Na minha pequena horta sempre semeio favas. Obedeço piamente
ao adágio popular “nos Santos favas pelos cantos”, sugerindo que sementeira
deve ser feita a partir do início de novembro. É que, para além da produção, a
terra beneficia do chamado composto verde, uma vez que, pelo menos 20% do azoto
fixado pelas raízes da leguminosa, fica a nitrificar o solo, favorecendo os
outros cultivos.
Quanto à sua constituição física, não é demais referir que as
faveiras são providas de caules fortes de secção quadrangular que podem atingir
1,80 metros de altura, com folhas alternadas verde acinzentadas compostas e
paripinuladas. As flores, agrupadas de 5 a 8 com corola papilionácea, brancas
ou cremes têm uma mancha escura nas pétalas. Embora hermafroditas e
auto-férteis, libertam um odor característico que atrai os insetos
polinizadores. As vagens são alongadas tendo na sua parte interna um
revestimento branco esponjoso e feltrado para proteger as sementes. Cada fava
pode pesar até dois gramas e o seu poder germinativo, ou dormência, dura quatro
ou mais anos.
Há inúmeras variedades de Vicia
faba mas quero fazer uma ligeira referência à variedade equina que, em Portugal chamamos fava-ratinha.
As suas sementes são redondas e mais pequenas não excedendo 0,8 g de peso
unitário. Tradicionalmente têm sido utilizadas na Europa para as rações animais.
Todavia, hoje começa a ser fortemente estimulada a sua sementeira com destino
ao consumo humano (“À la découverte de la Féverole” publicada pela
Terres Oléo Pro – fileira francesa dos óleos e proteínas vegetais)
Principais constituintes das favas: hidratos de carbono
(58%), proteína (26%), cálcio, potássio, fósforo, magnésio, caroteno, vitaminas
B1, B2 e C.
Para além do sua função alimentar que pode substituir com
vantagem a soja de produção transgénica, aponta-se algumas propriedades
terapêuticas das favas, a saber: antioxidantes, digestivas, anti-inflamatórias,
diuréticas, expectorantes, anti tumorais, prevenindo o envelhecimento precoce e
fortalecendo o sistema imunitário.
A parte interna das vagens é usada para eliminar verrugas.
Dizem que se forem esfregadas várias vezes, as verrugas acabam por desaparecer.
Menciona-se, não obstante, um inconveniente importante
relacionado com pessoas alérgicas ao “favismo”. Tal alergia, proveniente de
substâncias presentes nas flores das favas, pode desencadear desordens do
metabolismo e provocar anemia.
Finalmente, mais um aviso! A fava constitui de facto uma
excelente opção de sementeira pois não necessita de terreno muito estrumado e
dá boa produção se beneficiar de sol e chuva primaveril. Contudo, se repetirmos
o cultivo sempre na mesma parcela, acaba por despoletar o aparecimento de uma
planta parasita (Orobanche crenata),
conhecida como rabo-de-raposa, que paulatinamente esgota o solo.
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