sexta-feira, 15 de maio de 2020

As bibliotecas que desmoronam


BARROSO da FONTE

Outros chamavam aos velhos «poços de sabedoria».
Na edição de 8 do corrente, do Jornal de Notícias, na rubrica «Praça da Liberdade», deparo com uma nota reflexiva, a que o seu autor chama «Bibliotecas que desmoronam». Este docente universitário que se chama Alexandre Parafita, se vivesse em Lisboa, já teria sido sondado para Ministro da Cultura. Mesmo que não lendo mais do que esta carta pública, dá para entender que este Transmontano tem um percurso de vida exemplar. Um cidadão que me toca por dentro e por fora, pedagogo, pensador, filósofo, etnólogo, etnógrafo, um homem do povo que não cresceu engravatado, nem subiu, como fazem os políticos, procurando sempre as cadeiras da frente.
Este Homem subiu sempre a pulso. E subiu bem para gáudio da Cultura Portuguesa. Em que se doutorou.
Li, como sempre faço, esta nota breve que dava para um tratado de sociologia, uma discussão científica, na Academia das Ciências, um programa de acesso ao comissariado europeu para os direitos humanos.
Face à pandemia que atravessamos, ao contrário de critérios de prioridade médica que já se cruzaram nas redes sociais, estas reflexões do académico e investigador, Alexandre Parafita, valem por ampolas assertivas para alívio das mentalidades sociais. Vejamos:
«São as grandes vítimas deste maldito flagelo. Buscaram refúgio nos lares da 3ª idade, almejando um fim de vida calmo, um pôr do sol luminoso, menos solitário, rodeado de carinho que todo o ser humano merece, especialmente nesta fase da sua vida. Muitos deles, dezenas e centenas, tesouros vivos da memória coletiva, foram sendo meus parceiros no trabalho que abraço há décadas, enquanto etnógrafo. Guardiões do passado, narradores da memória, permitiram-me resgatar testemunhos valiosos de um património imaterial em risco...
Gente guerreira, que promoveu pedras e muralhas, construindo socalcos no Douro, gente mártir, torturada, que amargou anos, meses, dias, mas ainda assim capaz de louvar a Deus numa soberana gratidão...vejo-os partir, às centenas, tão ingloriamente nesta maldição que se abateu sobre a Humanidade, como se um deus-algoz soltasse as amarras para com elas açoitar a terra...
São bibliotecas vivas que deveriam ser eternas mas que se fecham e desmoronam... Sofrem as famílias e os amigos. E a sociedade empobrece... »
E termina esta quase oração matinal que ao leitor apetece repetir, pela certeza de que esta reza metafórica, consola os velhos e atenua a dor dos novos, uns e outros, recetivos «às páginas de livros, onde possamos continuar a aprender lições de vida».
Este pensador  da geração posterior à minha, tem uma obra  fértil e extensa, reunindo em bibliografia um manancial da cultural oral, em recolhas com que se apresentou a júris e que certificou em tese académica com comprovada pesquisa no santuário etnográfico, etnológico e arqueológico do norte e interior do País. Talvez se possa reduzir ao aforismo que trata os «velhos como poços de sabedoria». Em tempos de pandemia, em que os velhos são os mais fragilizados e esquecidos, chamar a este flagelo contra os maiores indefesos, «bibliotecas em desmoronamento é uma metáfora que elege um pensador da Humanidade.
                                                                                               

1 comentário:

  1. O que se diz dos velhos parece-me só literatura. Primeiro, os velhos não podem ser discriminados e atirados para um depósito ou corredor da morte. Os velhos não podem continuar a ser maltratados em muitos lares como são. Recordo-me há anos que uma enfermeira da Alijó tirou uma tia dum lar na Terra Quente porque a funcionária da limpeza bateu à velhinha... Este governo e a União das Misericórdias deviam ter feito mais pelos lares e a mortandade não seria a mesma... Há famílias que colocam os seus velhos em condições sanitárias boas nos lares, quando podiam ficar em casa com eles mais uns tempos... Mas são um enfastiado fardo. No seu lugar entram cães e gatos quanto baste... Esta gente mais nova vai pagar com língua de palmo... o que estão a fazer aos velhos de hoje... Até o Presidente da República discriminou os velhos confinando-os em vez de exigirem medidas de auto-protecção. Os próprios locais onde constroem os lares faz lembrar o recato dos armazéns de produtos. No Canadá via-os em boas construções, em ruas movimentadas e até os de andarilho saíam sozinhos para a rua e qualquer pessoa lhes dava ajuda se fosse necessário. Eu vi lá em aeroportos doentes TETRAPLÉGICOS a viajarem sozinhos. Aqui nos asilos nem pensar em sair porque dão trabalho. Num lar de aldeia os que andavam bem foram dar uma pequena volta e uma velhota ficou-se a falar comigo a 180 metros do lar e foi logo chamada à atenção...

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