Santuário da Senhora do Sameiro |
Não o tínhamos imaginado
assim, mas este ano Cristo resolveu trocar o manto pela bata, a rua pelas
urgências dos hospitais, o cimo do Calvário pelas camas com ventiladores. Aí
anda Ele, carregado de dores e fadiga, exausto, quebrado, olhos vidrados,
esquecido de si, vida doada em prol dos outros.
A Pietà, a Senhora das Dores,
também anda na rua, também vai na procissão. Este ano carregada de filhos,
abatidos pela terrível pandemia, muitos, às centenas. E a perspetiva, num
futuro próximo, é a de que os braços ainda tenham de crescer, pois muitos mais
estarão para chegar.
Integra o cortejo o
Senhor da Cana Verde, este ano com veste de enfermeiro ou enfermeira,
farmacêutico, assistente, psicóloga, cuidadora de serviços, bombeiro, pessoal
do INEM, fustigados todos, continuamente, por enfermos, chegados à catadupa,
ininterruptamente, turno após turno.
Integram a procissão e
estão na rua os confrades todos, os que de noite enchem os supermercados, os
negócios, as farmácias; os que atestam as bombas de gasolina; os que cuidam da
água, do gás, da luz, das comunicações, do pão; os que arrumam o lixo pela
calada da noite sem deixar rasto e todos os outros que em qualquer lado nos
servem.
Não faltam na procissão
as Casas da Misericórdia e os Representantes dos Lares, vestidos com a farda
belíssima do voluntariado, do cuidado direto aos doentes, do fornecimento de
comida, da distribuição de medicamentos.
E seguem ainda os
anjinhos, girando a cabeça para todas as casas, através do Face, ou do Colibri,
ou do Skype, levando canções bonitas, anedotas para animar, histórias de fadas,
pensamentos que elevam a moral, cerimónias que enchem a alma de
espiritualidade, fé e esperança.
Também vão as habituais
senhoras das promessas. Dizem ter aprendido, com esta desgraça, algumas lições.
E prometem mudar, viver mais para o espiritual que para o material, cuidar
melhor e estar mais presentes na vida dos idosos, valorizar a família e a vida
no lar, perceber melhor a importância do trabalho e do sustento, comunicar mais
com quem está à beirinha, sentir mais o calor humano e o afeto que passam pelo
beijo e pelo abraço.
Também vão as autoridades
civis, atrás do pálio, a programar, a tomar decisões, a tentar acertar para que
o vírus se não espalhe mais, a movimentar as forças de segurança, os polícias,
os militares para o necessário apoio e coordenação das populações.
Marca presença o Senhor
Arcebispo, os sacerdotes, os religiosos e religiosas, os seminaristas, preces
nos lábios, coração no povo, preocupação em serem pontífices, colocando o povo
em Deus e Deus no meio do povo, celebrando e oferecendo a Eucaristia pela
redenção da humanidade.
Vejo ainda o povo todo,
este ano mais em casa do que na rua. A assistir ao drama. A viver a paixão. A
perceber o peso da cruz. A sofrer. À espera da ressurreição, da alegria, da
luz, da libertação, da Páscoa.
Senhora, a Semana Santa
está aí, inteira, com todos, infelizmente noutro cenário. Vimos entregar-te
todos os seus protagonistas, pedir ânimo para quem serve, saúde para quem está
doente, força para quem anda abatido, luz e coragem para todos.
Mãe querida, Senhora das
Dores, Senhora do Sameiro, ajuda-nos, vem connosco; queremos, a muito breve
trecho, repartir. Queremos ir de porta em porta a anunciar a libertação, a
alegre notícia da morte vencida, queremos celebrar em profusa alegria, a
verdadeira Páscoa.
Ajuda-nos, Mãe. Queremos,
para todos, uma Páscoa feliz! Conquista, para os teus filhos, uma Páscoa feliz!
Dá-nos, a todos, uma Páscoa feliz!
O autor inspirou-se num
comunicado emitido pela diocese de Lima
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