Júlia
Serra
Passamos muito tempo a correr,
queixando-nos que não havia tempo para nada; agora, há tempo em excesso…tempo
para cansar as pernas paradas, tempo para inventar estratégias para o ocupar,
tempo para nos fazer pensar sobre o futuro, tempo para criar e vencer medos e
tempo… Os que estão em casa isolados, respeitando as orientações que os media
vão transmitindo: uns trabalham em teletrabalho, outros dedicam-se às tarefas
de casa e a cuidar dos filhos, outros recompõem-se dos seus males; enfim, uma
quarentena forçada e ilimitada, talvez, que o minúsculo vírus veio provocar.
Fernando Pessoa, no poema Ulisses de Mensagem,
escreveu: “O mito é o nada que é tudo”, mas o vírus é um “nada” (pela sua
dimensão) que mata tudo. Na obra pessoana, o passado histórico transfigurava-se
em mito ao serviço do futuro; agora, será que a nossa força lusitana poderá
vencer o presente e recriar um futuro diferente? Provocará este “vírus” um novo
paradigma de vida? Mas, enquanto estamos cá, acreditemos que, unidos- e
retomando o pensamento de Pessoa, no final da obra supracitada: Ó Portugal,
hoje és nevoeiro.../É a Hora! Valete Fratres” – poderemos vencer. Precisamos de
um novo Sol que nos aqueça, queremos um sol que mate esse malfadado “bichinho”
que nos consome e destrói.
Num período de quarentena, lembramos os
que estão nos lares (e quando temos familiares toca-nos muito) e que não
compreendem os motivos da ausência dos seus queridos; lembramos os nossos netos
com quem brincávamos e conversávamos e, agora, os mais pequeninos estão zangados,
porque os avós não aparecem para brincar; lembramos o esforço do pessoal saúde
que luta pela vida do Outro, arriscando a sua, recordamos o nosso passado,
arrumamos papéis que foram o suporte da nossa profissão. Vou segredar-vos um
episódio: estava a eliminar apontamentos e cadernos e encontrei uma folha com
os meus últimos alunos.
Não fui capaz de a destruir. Eles estavam tão bonitos e coloridos! Estão comigo e, agora, com eles, porque enviei essa folha a uma aluna para difundir pelos outros. Recebi a resposta mais doce da minha vida, onde ela dizia que tinham sido “umas pestes” e interrogava-se como era possível eu estimá-los tanto. Fui a cadernetas antigas e recortei um a um (a preto e branco) e juntei-os numa folha. Se não tivesse tempo, nunca chegaria aqui: a este encontro. Hoje evoquei Pessoa, amanhã poderá ser outro poeta, o importante é escrevermos em tempo de crise. Nunca pensei escrever nada a partir de um vírus, até porque já usei sapatos, bem confortáveis, com a marca “Virus”.
Não fui capaz de a destruir. Eles estavam tão bonitos e coloridos! Estão comigo e, agora, com eles, porque enviei essa folha a uma aluna para difundir pelos outros. Recebi a resposta mais doce da minha vida, onde ela dizia que tinham sido “umas pestes” e interrogava-se como era possível eu estimá-los tanto. Fui a cadernetas antigas e recortei um a um (a preto e branco) e juntei-os numa folha. Se não tivesse tempo, nunca chegaria aqui: a este encontro. Hoje evoquei Pessoa, amanhã poderá ser outro poeta, o importante é escrevermos em tempo de crise. Nunca pensei escrever nada a partir de um vírus, até porque já usei sapatos, bem confortáveis, com a marca “Virus”.
JS
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