quarta-feira, 15 de abril de 2020

Estamos à mercê de quem?



 Júlia Serra

Munch, norueguês, pintou em 1893 O Grito. Trata-se de um exemplar do Expressionismo que representa alguém em desespero. Neste quadro, o autor retrata uma figura andrógina (não se sabe se é do sexo feminino ou masculino) desenhada a cores frias e com uma expressão facial impressionante, revelando angústia, dor e desespero. É uma face disforme, marcada pelo sofrimento que pode ser físico e psicológico, mas um rosto sofredor onde sobressai uma boca aberta, de quem solta um grito de socorro, as mãos levantadas e colocadas sobre as orelhas, revelando a surdez do mundo e reforçando o desespero que, na imagem fixa dos olhos, exprime sinais de hipotética loucura resultante do sofrimento.
É um quadro que, muitas vezes, é evocado em situações extremas de angústia: em regimes, onde os cidadãos não têm liberdade de expressão; em momentos de dor, quando a pessoa já não acredita em nada e pretende soltar a voz clamando ajuda; enfim, nas horas mais aflitas do ser humano, quando começa a ter a perceção que está a endoidecer, pela falta de amor, de liberdade, de humanidade e de compaixão. Álvaro de Campos, no poema Esta velha angústia, retratava esses momentos dizendo que estava internado num manicómio sem manicómio, que era um doido a frio. Alguém que estava entre…
Ao longo dos tempos, a História mostrou-nos momentos de guerra, momentos de experiências nucleares, ataques terroristas, sistemas políticos diferentes e tantas outras convulsões que o Poder, aliado a vários ideais, desencadeou e continua a desencadear. O modelo de governação que se perspetivava mais ajustado aos interesses do povo era a Democracia, embora esta tenha sofrido mutações, com as novas tendências exibicionistas totalitárias que constituem hipotéticas alianças, as chamadas geringonças. Um modelo que se espalhou um pouco pela Europa atual, sobretudo, nos países de base socialista. Mas enquanto uns se governam ou desgovernam com a Democracia, outros países continuam com sistemas totalitários e perpetuados no poder –caso da China, Cuba, União Soviética, Coreia do Norte – uns mais fechados e ditadores que outros, mas onde a liberdade não tem cor, embora o cidadão comum sonhe descobri-la e, por isso, a simbologia do Grito de Munch. Jorge de Sena escreveu: não hei-de morrer sem saber/qual a cor da liberdade.” Quantos sonham em descobrir a sua cor?! Alguns servem-se dos meios de comunicação para enviar a revolta, embora sabendo que serão vítimas; outros (muito poucos) tentam fugir… em vão; outros gritam até enlouquecer e, ainda outros, a maioria, essa submete-se e é o cordeiro sacrificado que os poderosos escolheram para engordar a sua carteira. E ninguém se engane: os da esquerda gostam de uma carteira bem recheada!
As filosofias da existência colocam o ser ligado à temporalidade e à escolha da liberdade. É pela liberdade que o homem procura a sua realização, através da escolha de valores e da busca de solução para os problemas, no entanto, esta mesma liberdade contém limites e riscos. Na perspetiva de Sartre, o homem está “condenado a ser livre e será o que forem os seus atos”, o mesmo que dizer que a responsabilidade coarcta a liberdade. Ora, quando alguém sente necessidade de ser livre, de apelar aos outros em seu auxílio e não consegue, avoluma-se a angústia de não -liberdade. Essa necessidade angustiada torna-se parte do quotidiano e, devido à ideia de falta de referentes, abre caminho para o niilismo. E, na perspetiva de Heidegger, o homem “nada” está relacionado com a ideia da morte. Assim, há pessoas desesperadas que lançam o seu grito, embora sabendo que isso lhes pode valer “a morte” pelo silenciar e fechadura do sistema. São os corajosos resistentes que tentam lutar pelas novas gerações. Neste tempo de pandemia, não é preciso nomear a origem do mal, pois não?
Todos sabemos que ele invadiu o mundo… estamos à mercê de quem?

JS

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