Jorge Lage |
Há assuntos que parecem não ter grande interesse num primeiro momento,
mas, cada texto que escrevo procura sempre trazer a sua mensagem, pedagógica,
social ou cultural. Desde muito novo aprendi que a «Cultura» é tudo aquilo que
resta, depois de tudo o mais se ter perdido. Só quem compreende bem o alcance
desta ideia genérica se preocupa com a nossa cultura. Como tenho reafirmado, a
nossa chapa matricial da nossa cultura foi narrada, elevada e conservada pelo
povo que somos. Revolta-me que gente totalitária, que negue a nossa cultura e a
nossa História. Cada tempo histórico vale por si e nunca gente de pensamento
único poderá ser árbitro neste campo. A História é e será implacável com essa
gente. Se dúvidas houvesse podemos olhar para os setenta anos de estalinismo.
Bem reescreveram a história russa, bem apagaram figuras menos ortodoxas para
com a ditadura comunista e bem silenciaram vozes desafinadas. Tudo volta ao seu
devido lugar. Isto para vos dizer que muitos documentos e memórias que nos
rodeiam que para o vulgo parecem ter o destino do caixote do lixo, ganham uma
importância primordial. Uma fotografia velha, um papel ou um livro velho, até
de assentos pessoais, um utensílio ou um tosco objecto pode ajudar a reescrever
a história local ou nacional.
Recebo com a periodicidade mensal a peça do mês
do Museu de Silgueiros – Viseu e a última foi uma camisa de noite de homem.
Ainda a conservo na minha memória da infância e juventude. Hoje tornaram-se
raras e daí serem guardadas por museus ou coleccionadores. Só homens abastados
ou com pergaminhos usavam as camisas de noite. Os homens do povo dormiam em
ceroulas quando tinham cama e os mais pobres pernoitavam com a roupa que
traziam no corpo durante o dia. As mulheres do povo dormiam em combinação que
usavam durante o dia por baixo do vestido ou da saia. Hoje estão popularizados
os pijamas para ambos os sexos. Na nota explicativa o Museu de Silgueiros
refere: «A camisa se dormir de homem é peça rara (…). Nos finais do séc. XIX
nas classes sociais privilegiadas e economicamente mais abastadas (…). As
senhoras cultivavam o pudor com muito empenho pelo que esconder o corpo dos
próprios maridos era (…) aconselhado. Eles procediam do mesmo modo, pelo que
ambos usavam camisas para dormir compridas um pouco abaixo do joelho, feitas de
linho, (…) na do homem havia que acautelar um importante pormenor: uma abertura
redonda no lugar certo, para salvaguardar o momento do ato gerador de vidas,
sem atentar contra o pudor durante uma vida inteira. A esposa também já trazia
no seu enxoval de noivado um lençol com um buraco semelhante, aberto no sítio
adequado. Deitada sob este lençol, deixava ao cuidado do marido o trabalho de
acertar buraco com buraco. E assim se chegava ao fim da vida podendo dizer-se
com verdade: - O meu marido nunca me viu o corpo.»
Sem comentários:
Enviar um comentário