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JORGE PAIVA - Jornal Público
Biólogo
2 de Abril
de 2020
Não vamos referir a
relevância de todos os predadores, mas apenas de dois. Um, macroscópico e muito
conhecido, o lobo, e outro, mais ou menos microscópico e absolutamente desconhecido
da generalidade do público, os mixomicetes.
Como qualquer
predador, o lobo sempre foi vilipendiado e inimizado pelos humanos, que o
abatem indiscriminadamente, colocando-o na situação de risco de extinção. Como
qualquer outro predador, os lobos são extremamente úteis para o equilíbrio da
biodiversidade e dos ecossistemas naturais, que existem no Globo Terrestre, a
Gaiola onde vivemos, antes do aparecimento da espécie humana, o animal mais
perigoso desta Ilha do Universo.
No início do século
passado, foi decidido eliminar os lobos do Parque de Yellowstone, o primeiro
Parque Nacional dos Estados Unidos. Isto porque os lobos não só competiam com
os caçadores desportivos que se “divertiam” a caçar veados e outros mamíferos
que existiam nas áreas limítrofes do parque, como também porque, por vezes, os
lobos se aproveitavam dos descuidos dos criadores do gado que pastava nas
cercanias do Parque Nacional. Assim, a partir de 1930, deixaram de existir
lobos no Parque de Yellowstone.
Então, a população de herbívoros,
particularmente de alces, aumentou exponencialmente, de tal modo que os
ecossistemas do parque sofreram uma drástica modificação, particularmente os
prados das margens dos rios, que foram praticamente dizimados. Essa erosão não
só diminuiu a biodiversidade desses ecossistemas
marginais, como também a população de castores, sem o predador (lobo) aumentou
de tal modo, que derrubou as árvores e arbustos da floresta ripícola que
marginava o rio.
Com as margens dos
rios desertificadas, a erosão progrediu rapidamente, com arrastamento de solos
nas cheias sazonais, levando ao assoreamento dos rios, que passaram a
serpentear por áreas do parque onde nunca tinham corrido, provocando, além da
erosão, alterações profundas nos ecossistemas do parque.
Depois disto, os lobos
foram reintroduzidos, os herbívoros deixaram de pastar nas margens dos rios por
estarem a descoberto e mais facilmente visualizados pelos lobos, voltando a
alimentarem-se abrigados na floresta, que estava transformada num ecossistema
desequilibrado, onde até os ursos tinham já poucos frutos, porque as plantas
tinham crescido demasiadamente ramificadas e, portanto, com poucos frutos. Os
ecossistemas das margens e da floresta voltaram ao equilíbrio normal, os rios
passaram ao leito primitivo, sem inundações nem assoreamento drástico. Enfim, o
Parque Yellowstone recuperou do desastre para que caminhava.
Em Portugal, os lobos
foram quase aniquilados. Eu ainda conheci lobos na serra da Estrela. Assim, os
javalis proliferaram de tal modo que, em 1996, foi atropelado um próximo da
entrada principal do Hospital da Universidade de Coimbra; no dia 9 de Janeiro
de 2018, de madrugada, vi uma fêmea de javali descendo a rua onde moro (R.
Carolina Michaëllis), em Coimbra, e no dia 18 de Agosto de 2017, alguns javalis
banharam-se na praia de Galapinhos (Setúbal); além dos prejuízos que causam nos
campos agrícolas. Nós, em vez de procedermos de modo idêntico ao acontecido no
Yellowstone, resolvemos a questão aos tiros, permitindo a caça temporária aos
javalis.
Vamos, agora aos
mixomicetes, que não são animais e, como não são produtores de biomassa (não
são verdes), também não são plantas. São eucariotas, portanto, não são
bactérias nem vírus. Reproduzem-se por esporos, mas não são plantas, pois não
são produtores de biomassa. Constituem um subfilo, os Mycetozoa,
com cerca de 1000 espécies. São seres microscópicos, plasmodiais, que se deslocam
como as amebas, alimentam-se de microrganismos, como bactérias (provavelmente
também de vírus), leveduras e fungos. As florestas são dos ecossistemas onde
são mais abundantes, quer na manta morta, quer na superfície das plantas.
Costumo mostrá-los aos
jovens quando vou às escolas na minha actividade cívica ambiental. Mostro-os na
casca das árvores das florestas tropicais. Nestas florestas, as árvores atingem
120 metros de altura. Chamo à atenção dos alunos que uma árvore dessas tem, na
casca, milhares de mixomicetes. Quando se deita abaixo uma árvore dessas,
estamos a matar também milhares de predadores de microrganismos. E quando, além
disso, destruímos também o ecossistema florestal, estamos a libertar milhões de
bactérias e vírus que podem provocar novas doenças, como, por exemplo aconteceu
com a designada sida, que não existia quando eu era jovem e que surgiu na
região florestal do Congo. Nessa altura culparam-se os símios, espalhando
que o vírus (HIV) tinha passado para a nossa espécie através do contacto com
símios dessa região. Poderá ter sido assim, mas o vírus estava no corpo dos
símios, depois de se ter disseminado por falta dos predadores (mixomicetes),
que despareceram com o derrube da floresta tropical da região. Também já houve
quem culpasse animais selvagens desta epidemia que nos assola agora. Na China
há um grande mercado de animais selvagens para a alimentação
e misticismo. A explicação é, pois, a mesma e o único culpado é o Homo
sapeins L., que parece não ter nada de sapiens.
Neste momento, há
apenas 20% das florestas que existiam quando a nossa espécie surgiu neste
Globo, uma Gaiola que temos vindo a sujar e na qual temos vindo a dizimar
predadores de microrganismos, que podem vir a ser agentes de novas enfermidades
letais e que não vamos poder controlar com tirinhos como fizemos com os
javalis, pois os microrganismos não se vêem para os podermos dizimar a tiro.
De realçar que esta
pandemia alastrou mais rapidamente e tem sido mais letal nas regiões do Globo
mais poluídas e de maior concentração populacional (China e Norte da Itália).
Estou imensamente
apreensivo, pois quando esta pandemia atingir (porque vai mesmo atingir) as
populações de todas as favelas americanas, africanas e asiáticas, não vão
conseguir controlá-la. Será o caos da humanidade, tanto para pobres como para
ricos, pois a morte não se compra. É por isso que me incomodo com empresários e
políticos mais preocupados com os problemas económico-financeiros do que com o
gravíssimo e rapidíssimo alastramento do coronavírus, julgando que eles
não serão atingidos. Apesar desta lição, que ainda não acabou, continuo a ouvir
justificar que o aeroporto terá que ser no Montijo, por ser o local
economicamente mais favorável, sem olhar, minimamente, para as consequências ambientais e para o próximo
desastre que aí vem, bem pior do que este, como alertou o filósofo José Gil: “Esta terrível
experiência que estamos a viver constitui apenas uma antecipação, e um aviso,
do que nos espera com as alterações climáticas.”
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