terça-feira, 14 de abril de 2020

AS FORÇAS ARMADAS E A PANDEMIA DO COVID 19: MAIS UMA HUMILHAÇÃO

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“Quando vedes aparecer uma nuvem no poente, logo dizeis que vem chuva, e assim acontece. E quando vedes soprar o vento sul, dizeis que haverá calor, e assim acontece. Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta época?” Lucas 12, 54-56.

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João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
13/04/19
A Imprensa e as redes sociais têm redescoberto e dado conta do último “cordão sanitário” imposto em Portugal, antes do ocorrido agora em Ovar, o que teve lugar no Porto, em 1899, por causa da propagação do bacilo de Yersin (peste bubónica), que segundo se determinou na altura, teve origem no célebre mercado da Ribeira.
Note-se que se conseguiu, então, pelas medidas tomadas limitar os infectados a 320 casos, de que resultaram 132 mortos.
Foi o notável médico, investigador, higienista e Professor de Medicina, Ricardo Almeida Jorge (Porto, 9/5/1859 – Lisboa, 29/7/1930) que caracterizou a epidemia e recomendou as medidas a tomar, não se livrando de ser apedrejado por portuenses, naturalmente atingidos pela fome, devido à falência temporal do comércio.
Outro médico célebre higienista, Professor e pioneiro da Bacteriologia, Luís da Camara Pestana (Funchal, 28/10/1863 – Lisboa, 15/11/1899), que estudou a doença, acabou por ser infectado e perder a vida após fazer a autópsia a um cadáver atingido pelo bacilo.
O Rei D. Carlos, que entre muitos outros atributos, era um homem destemido e nunca abandonou o seu “posto de sentinela”, visitou-o no hospital.
Foi esta epidemia e suas consequências que deram origem à primeira tentativa de organização de saúde pública, em termos modernos, entre nós, até então praticamente entregue às Misericórdias e Institutos Religiosos.
O cordão sanitário foi, na altura, garantido por cerca de 2.500 homens (na altura não havia mulheres na tropa, certamente para desgosto do actual Ministro da Defesa) dos Regimentos de Infantaria 3 (Viana do Castelo); 20 (Guimarães), de Cavalaria 6 (Chaves) e 10 (Aveiro), e passava por Leça da Palmeira, Ermesinde, Valbom, Avintes, Valadares e Gaia.
Nesse tempo a “tropa” complementava ainda, as autoridades públicas, que distribuíam sopa, fornecendo o “rancho”.
Porque estamos a referir isto?
É simples: apenas para ilustrar que o Exército Português não tem hoje, capacidade de fazer tal coisa!
Em primeiro lugar porque as unidades referidas já não existem, e as que as podiam substituir no Norte, ou seja os Regimentos de Infantaria de Chaves, Vila Real e Aveiro e Regimento de Cavalaria de Braga, não devem ter por junto, mais de 600 efectivos (entre oficiais, sargentos, praças e civis), nos dias bons…
Mas mesmo juntando o pessoal de todo o Exército só com muito custo se conseguiria fazer tal cordão e nunca por muito tempo!
Mas ainda, e mais importante, porque não existe vontade política, antes pelo contrário, para o fazer – o que carece de explicação alargada, que remonta ao “Estado Novo”; à Constituição de 1976 e, sobretudo à sua revisão em 1982, e para a qual não há agora espaço.
De facto aquando da intenção do PR em declarar o Estado de Emergência terá havido oposição por parte do Governo (e não terá sido só o Executivo), pois não queriam qualquer envolvimento das Forças Armadas (FAs). O que também explica a abstenção do PCP na votação da AR. A coisa lá se resolveu mas, até agora, a actuação da FAs tem sido o mais discreta possível e a sua acção praticamente ignorada na comunicação social.
O próprio PR (que anda numa concorrência frenética com o PM, e vice versa, para verem quem tem mais protagonismo) até se “esqueceu” de as referir numa das suas saídas precárias a uma exploração agrícola, nos agradecimentos que vai fazendo a esmo.
O Ministro da Defesa, que anda praticamente desaparecido, em combate, teve o cuidado de chamar a si toda e qualquer informação pública sobre a acção das FAs. E até agora nem uma palavra. Essa será a razão pela qual o Exército, por ex., tem revelado apenas internamente a acção do Ramo, e o respectivo Chefe de Estado – Maior tenha feito um comunicado interno, por sinal bem feito, no passado dia 3 de Abril.
O Conselho Superior de Defesa Nacional, previsto reunir em permanência no Estado de Emergência ainda não foi convocado uma única vez a (nem foi sequer referido no decreto presidencial que impõe o estado de emergência).
Tudo complementado pela desvalorização das FAs por parte de comentadores de serviço e, até, pelo Comandante da GNR e Director Nacional da PSP (note-se que a PSP deixou de ter “comandante” desde a saída do saudoso Tenente - General Gabriel Teixeira) no programa “Prós e Contras”. E também pelo Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia - dos 16 existentes, sindicatos que, pelos vistos, se querem substituir à hierarquia, ou serem uma espécie de hierarquia paralela.
Mas o cúmulo da insensatez e do delírio – e fico por aqui para não me acusarem que carrego nos adjectivos – veio, quando agentes policiais quiseram identificar elementos de uma patrulha da Polícia do Exército, integrada numa equipa de outros militares que efectuavam uma desinfestação num lar, em Vila Real, no pretérito dia 28 de Março. Nomeadamente por estarem armados!
Mas em que país do mundo é que isto seria possível? O que terá passado na cabeça destes “cívicos” ou de quem os enviou, fazerem uma coisa destas?
A PSP identifica uma subunidade militar uniformizada e devidamente enquadrada, no cumprimento de uma missão? E os militares prestaram-se à infâmia, não os mandando dar um giro? Isto é inaudito!
Por aqui se pode perceber melhor a pouca vergonha que se passou (e passa) com o assalto aos paióis de Tancos…
Na sequência diz-se no “jornal da caserna” que o Director da PSP terá telefonado ao CEMGFA a pedir desculpas… Mas não parece nada, primeiro porque nada foi tornado público, depois porque logo a seguir, é emanada uma mensagem do Gabinete do CEMGFA, em 28 de Março, que ordena o seguinte: “Assunto: Covid 19 armamento – Forças Militares e militares empenhados em apoio ANEPC – SNS no âmbito da pandemia Covid 19 não envergam armas coletivas nem individuais.”
Convém alertar desde já, que a mensagem especifica, que o conteúdo se aplica no âmbito do apoio à Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e ao Serviço Nacional de Saúde. E não no âmbito do recente documento aprovado em 28 de Fevereiro de 2020, entre o CEMGFA e a Secretária – geral do Sistema de Segurança Interna, intitulado “Orientações para a articulação operacional entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança. Nomeadamente no que prescreve a sua parte IV (Princípios Orientadores), alínea e), que me parece basicamente errado e confuso[1].
Este documento que andou a aboborar durante muito tempo e cujos princípios orientadores foram sempre contrariados pelos anteriores Chefes de Estado-Maior (e ao que se sabe pelo actual CEMGFA por alturas de 2018) visa estabelecer regras para a intervenção dos militares, a pedido das Forças de segurança, face a um incidente grave de “ameaças transnacionais” (leia-se terrorismo). Esperemos que nessa altura deixem os militares deixem irem armados…
Ora a mensagem do Gabinete do CEMGFA (que caiu na praça pública) é infeliz a vários títulos (e se a ordem veio de cima ainda é mais grave). Em primeiro lugar por ter um erro que se presta a “piadas”, já que utiliza o termo “envergam” em vez de “fazem uso de”; as armas não são propriamente uniformes…
Em segundo lugar porque envia a mensagem com conhecimento para os Comandos operacionais subordinados (dos Ramos), o que causa engulhos hierárquicos; em terceiro lugar por não ser liquido que na actual situação, uma ordem destas possa ser dada, dado que não estamos em guerra, nem em estado de sítio e como tal o CEMGFA não tem as forças militares debaixo do seu comando directo (como estão as Forças Nacionais Destacadas, para o que foi feito a atempada transferência de autoridade).
Mas, sobretudo, por uma questão de princípio - e muito menos a seguir ao incidente que lhe deu azo. Parece que afinal, é o CEMGFA (e por arrasto os outros chefes militares), que estão a pedir desculpa ao Director da PSP…
Por princípio porque é da natureza das coisas (e da condição militar) que as Forças Militares nunca devem actuar desarmadas (os polícias por acaso andam desarmados?), como se tem insistido que aconteça, por ex., no apoio aos incêndios florestais - até porque é seu dever protegerem-se e aos outros, bem como defender o armamento e equipamento à sua guarda (que era o que o pessoal da Polícia do Exército estava a fazer em Vila Real). Não se devem colocar nunca, os militares em condições de poderem ser apanhados à mão…
Já basta as iníquas disposições que os inibem de fazer segurança aos quartéis, trânsito de material e munições, ou de fazer fogo em qualquer situação que o requeira. Para já não falar de uma directiva ainda existente no Exército, do tempo do General Firmino Miguel, imagine-se, que obriga, num rol extenso de situações, a que os militares tenham os carregadores selados e, ou, com balas de salva antes das munições reais. Um atestado de menoridade e de irresponsabilidade que os militares se impuseram a si mesmo! Faz lembrar a “guerra do Solnado”…
E de tanto se baixarem…
Finalmente, a Instituição Militar não está ao mesmo nível (nem deve estar) da GNR, da PSP ou de qualquer outra entidade, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros, a PJ ou a Protecção Civil. E não está em face da sua antiguidade, missões, capacidades, pergaminhos e especiais deveres e responsabilidades decorrentes da condição militar. O que afirmo não envolve qualquer desprimor para os restantes órgãos do Estado. E todo o mundo deve ser tratado com respeito e dar-se ao respeito. Nomeadamente não querendo “invadir” áreas e competências de outrem.
Tudo o que se passou no âmbito acima apontado, necessita ser profundamente reformulado, a não ser que os militares sirvam apenas para carregar camas e caixotes! E nesse caso para que necessitam sequer ir fardados?
Razão tem o evangelista Lucas…

João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)

NOTA de Tempocaminhado: o negrito é nosso. A bem da verdade, todo o texto deveria estar sublinhado a negrito!



[1]  “Actuação sob direcção operacional das FSS: Os meios ou capacidades empregues pelas FFAA no apoio às FSS, sem prejuízo da sua dependência hierárquica e da autonomia técnica e táctica, actuam sob a direcção operacional do responsável da FSS competente (territorial ou funcionalmente) que exerce o comando da operação ou do incidente de segurança. A direcção operacional dos meios ou capacidades das FFAA é concretizada através do(s) elementos(s) de ligação das FFAA.”

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