
O
pior que nos poderia acontecer era deixarmos de ser portugueses, para passarmos
a ser “brancos”, “negros”, ou “ciganos”. Não contem comigo para macaquear o
pior que tem a sociedade americana.
Fui
aluno de Maria de Fátima Bonifácio, admiro a sua obra como historiadora, e, tão
ou mais importante do que isso, sou seu amigo. Mas não foi só por essas razões,
que ficam declaradas para ninguém ter o trabalho de as lembrar, que me repugnou
a canalhice das calúnias e das ameaças com que, a pretexto de um artigo de jornal, a gente
do costume a pretendeu cercar durante o fim de semana. Nesse
ataque, houve muito da precipitação de alcateia que define as redes sociais.
Mas houve também a inspiração de um dos mais asquerosos projectos políticos do
nosso tempo.
Porque
a má fé e a estupidez dominam este debate, vou tentar ser muito claro.
Fátima
Bonifácio está certa na rejeição do sistema de quotas étnicas. Mas não evitou
alguns equívocos. Por exemplo, o de aparentemente sugerir – se percebi bem —
que o problema da integração dos ciganos ou dos chamados “afrodescendentes” se
deve a serem estranhos à sociedade portuguesa, à sua história ou aos seus
valores. Ora, os ciganos estão em Portugal há mais de meio milénio. Falam a
língua e têm a religião da maioria da população. São cidadãos portugueses, e
tão portugueses como quaisquer de nós. Os “afrodescendentes” não são um grupo
homogéneo, mas, na sua maioria, são indivíduos originários de antigas colónias
europeias. Representam uma das mais intensas Cristandades dos dias de hoje, e
sempre se exaltaram com as ideologias ocidentais (a Revolução Francesa também
aconteceu no Haiti).
Nada
disto, porém, faz da autora uma “racista” e muito menos do seu artigo um
“manifesto racista”. Vamos entender-nos: uma coisa são preconceitos, ou
desconfianças derivadas de certos comportamentos – se isso fosse racismo, então
toda gente, em todo o mundo, foi, é e será sempre racista; outra coisa são
instituições e doutrinas que, com fins políticos, visam a classificação e
discriminação das pessoas como membros de “raças”, e nesse sentido, nem
toda a gente foi, é ou será racista, e é aí que deve assentar a expectativa de
que a humanidade resistirá a propostas para usar características “étnicas” com
fins políticos.

Estou
a dizer que em Portugal, ciganos e migrantes não são frequentemente pobres e
marginalizados? Não. Mas pergunto: são os únicos pobres e marginalizados? Não
há pobres e marginalizados entre os outros portugueses? E se são pobres e
marginalizados, isso deve-se a “racismo”? Não tem nada a ver, no caso dos
ciganos, com uma velha cultura de nomadismo? Não tem nada a ver, no caso dos
migrantes, com o facto de serem trabalhadores pouco qualificados chegados
recentemente (os primeiros cabo-verdianos desembarcaram há menos de 50 anos)?
Estou
a dizer que não merecem nenhum cuidado? Não. Mas a ciganos e a migrantes falta
sobretudo o que falta aos outros portugueses pobres: uma economia próspera e
aberta, onde todos – e não apenas os clientes do poder — sintam que vale a pena
trabalhar, poupar e investir; uma escola exigente, com os devidos apoios
sociais, que compense as desvantagens e não que as agrave, em nome da
“diversidade”; serviços públicos efectivos, que não sejam sacrificados ao
emprego de clientelas partidárias; uma lei que seja igual para todos, e que
tolere diferentes culturas, mas não comportamentos contrários à coexistência
pacífica dos cidadãos. O que ciganos e migrantes não precisam – nem eles nem
ninguém — é de serem metidos em guetos legais e estigmatizados pela dependência
do poder político.
O
pior que nos poderia acontecer em Portugal era deixarmos de ser portugueses,
para passarmos a ser “brancos”, “negros”, ou “ciganos”. Não contem comigo para
macaquear o pior que tem a sociedade americana. Eu não me identifico nem nunca
me identificarei como “branco”. Sou português como Eusébio, um dos nossos
maiores futebolistas, ou como Marcelino da Mata, um dos nossos militares mais
condecorados. É do país deles que eu quero ser mais um cidadão, e não dessa
caricatura do Alabama dos anos 50 a que a extrema-esquerda convertida ao
racialismo gostaria de reduzir Portugal.
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