domingo, 30 de junho de 2019

Timor – uma história de amizade e de missionação

Dom Ximenes Belo, Dr. Hirondino Isaías (presidente da CTMAD de LISBOA) e Professor Doutor Adriano Moreira

Na passada Quinta-feira, a sede da agremiação transmontana sediada em Lisboa, foi palco de memorável evento cultural: o lançamento público do livro “Missionários Transmontanos em Timor-Leste”, de autoria do Bispo de Timor, também prémio Nobel da Paz em 1996.
O evento juntou duas personalidades singulares – Dom Ximenes Belo, autor do volume, e o Professor Doutor Adriano Moreira que o apresentou ao público Transmontano e ao público Timorense que aí acorreu em grande número.
Tivemos o privilégio, o prazer e a honra de participar no volume com singelo texto a modos de prefácio que segue:


“Portugal e Timor. Um numa ponta do Ocidente. O outro, na outra do Oriente. Se a distância os separa, une-os a amizade. Antiga, velha de séculos.

“A obra da missionação de Timor-Leste começou no longínquo ano de 1556, quando um frade dominicano de nome António Taveira (ou Taveiro) baptizou mais de cinco pessoas na ilha de Timor e em Ende (Flores, Indonésia)”, retira-se da introdução. Na verdade, o contacto entre Portugueses e Timorenses são remotos. Se o descobrimento de Timor é incerto, a ilha já figura, em 1512, nos mapas do piloto-cartógrafo Francisco Rodrigues. E em 1514, as cartas de Rui de Brito fazem-lhe referência.
Quando os Portuguese chegaram a Timor, as comunidades estavam organizadas em chefatura hierarquizadas, com religião animista e sem conhecerem a escrita. Falavam duas dezenas de línguas e estavam repartidas em quatro dezenas de reinos, agrupados em duas confederações: a do Servião, a Oeste, encabeçada pelo régulo de Senobai, e a dos Belos, a Leste, dominada por uma aristocracia militar de língua teto, chefiada pelo régulo de Bé-Hali.
Quando em 1511, os Portugueses, com a conquista de Malaca, passaram a dominar o comércio externo timorense, inicia-se a primeira fase da presença portuguesa em Timor, no período que medeia entre 1514/1556. Nesta primeira fase, a presença portuguesa em Timor, limitou -se, periodicamente, ao comércio do sândalo, e a visitas esporádicas. E é a partir deste período que essa presença se faz sentir durante c. de 450 anos, por mais três fases.
A segunda fase tem início com a acção do franciscano frei António Taveira, estendendo-se entre 1556 e 1703. Foi o início da missionação. Instalados inicialmente na ilha de Solor, os missionários, poucos anos depois, ocuparam a ilha de Timor, convertendo os chefes e o seu povo ao Cristianismo. Mena, no Servião, foi o primeiro reino a converter-se. Em 1590 já lá havia uma igreja. Até 1834 as missões de Solor e Timor estiveram sob a tutela dos Dominicanos. Não é por acaso que o brasão do Timor português incluía ao lado das quinas a cruz de São Domingos. É com frei Cristóvão Rangel (c. 1633) e frei António de São Jacinto (c. 1639) que a religião católica aí cria raízes definitivas. Por esta altura são fundadas algumas escolas e três seminários: o primeiro, ainda em pleno século XVI, em Solor, os outros dois em Timor – um no Servião (Oé-Cussi) e o outro nos Belos (Manatuto).
Aos ataques dos Holandeses Calvinistas (1595), dos Buguizes e Macáçares de Celebes islamizados, a partir de 1603, os missionários ergueram um forte em Solor, cujo comando confiaram a uma “dinastia de capitães” (fidalgos portugueses de origem goesa) que, mais tarde, se deixou corromper.
Por pressão dos missionários, comerciantes de sândalo e alguns régulos cristãos, declarados vassalos do Rei de Portugal, inicia-se a terceira fase (1703-1894) de influência portuguesa, com a nomeação de um governador para Timor, que passa a ser um protetorado português de estrutura federal. A hierarquia feudal nativa é integrada na hierarquia militar portuguesa; a bandeira portuguesa, transformada num Totem colectivo da comunidade luso-timorense, torna-se objecto de culto. O Catolicismo e a língua portuguesa tornam-se factores poderosos de união e integração social – e de diferenciação em relação aos povos circunvizinhos. É, contudo, um período de agitação interna e a investida dos Holandeses no Servião, obriga à transferência da capital para Díli (1769). O fervor missionário cai a pique entre 1704 e 1811. E com a extinção das ordens religiosas em 1834, as missões de Timor ficaram sob a tutela dos sacerdotes seculares goeses.
A partir de 1877, as missões religiosas foram reestruturadas pelo padre Medeiros, futuro bispo de Macau. Trouxe para a ilha irmãs canossianas, construiu igrejas, abriu escolas, introduziu várias plantas uteis, e o gado vacum de raça holandesa.
Com o governador Celestino da Silva (1894-1908), abre-se a quarta fase da influência portuguesa nesta área do Pacifico. Leva a cabo grandes campanhas de pacificação com a ajuda de tropas de reinos fiéis, entre as quais se destacam os Leais Moradores de Manatuto, recrutados na região mais cristianizada de Timor. Ao mesmo tempo implantou-se a economia de plantação, sobretudo de café.
Em 1898, na Soibada, os jesuítas abriram um colégio destinado à formação de professores catequistas, o principal veículo de alfabetização, cristianização e transmissão da cultura portuguesa nos meios rurais. Permaneceu até 1974 o alfobre da elite de letrados nativos.
Até 1974 a soberania portuguesa não sofreu nenhuma contestação interna. Os laços de amizade ultrapassaram, durante séculos, pequenas desavenças de personalidade. Quão melhor exemplo se pode chamar à liça, do que aquele protagonizado pelos régulos Dom Aleixo e Dom Jeremias, durante a ocupação japonesa de 1942-1945, que pagaram com a vida a fidelidade à bandeira portuguesa?
É, pois, desta amizade que trata o volume que têm em mãos. Amizade de povos, de gente, de irmãos. É ainda a história destes missionários Transmontanos aqui contada pela mão mestra de Dom Ximenes Belo, que ainda antes (1876-77) da quarta fase de influência portuguesa, “trabalharam nas Missões Católicas de Timor-Leste (antigo Timor Português)”, distinguindo-se em várias vertentes sociais e culturais.
Após um interregno de quatro décadas, consequência do decreto de 1834, exarado por António Joaquim de Aguiar, que suprimia as ordens religiosas no território ultramarino, as missões de Timor foram integradas na Diocese de Macau. São então enviados para Timor, em 1877, sete sacerdotes, cuja lista é encabeçada pelo transmontano (flaviense) António Joaquim Medeiros, mais tarde nomeado Bispo de Macau e de Timor. Ao deixarem o seu torrão natal, no extremo transmontano dos dois distritos (Vila Real e Bragança), “fizeram de Timor a terra de eleição”, onde, além “da ação evangelizadora, os missionários ensinaram aos alunos timorenses noções de agricultura e de pecuária, trabalhos de “artes e ofícios”. O padre Basílio de Sá, em Baucau, ensinou os seus alunos a virar a terra, a plantar e regar os feijões, etc. E o padre Alberto da Ressurreição Gonçalves, missionário em Ainaro/Suro, desenvolveu a agricultura, introduzindo a charrua. Outros incentivaram a abertura de hortas de milho e de campos de arroz e a plantação de café, coqueiros, bananeiras, laranjeiras, nos terrenos da Missão. Outros houve que se notabilizaram na escrita, concretamente, o Bispo Dom António Joaquim de Medeiros, que publicou alguns livros, padre Artur Basílio de Sá e o padre José João de Andrade.
Timor é isto. Uma ligação enorme a Portugal, e à sua província mais periférica: Trás-os-Montes”.

Oeiras, 14 de Setembro, XVIII

Armando Palavras

2 comentários:

  1. Bom dia! Um Senhor Prefácio de quem tem um grande arcabouço intelectual, pegando no tema com uma leveza, sabedoria e mestria. Parabéns Doutor Armando Palavras pelos muitos contributos dados a Trás-os-Montes e Alto Douro e a Portugal. Jorge Lage

    ResponderEliminar

Memórias do Movimento Metanoia no Marão: Utopia cristã em tempo de ditadura

  Na próxima sexta-feira, dia 4 de Abril, às 18h00, vai ser apresentado na Biblioteca de Vila Real o livro  Memórias do Movimento Metanoia n...