Nascer da Terra (Earthrise) é o nome dado à fotografia AS8-14-2383HR da
NASA tirada por William Anders durante a missão Apollo 8 à Lua, em 24 de Dezembro de 1968, com 75 h 49 m de tempo
de missão decorrido (cerca das 16 h 40 m UTC). Nela, a Terra surge parcialmente
na sombra, vendo-se em primeiro plano a superfície lunar, ao jeito de um nascer
do sol. A Apollo 8 não aterrou na
Lua, a foto foi tirada da órbita lunar.
Em finais de 1968, a última missão americana da Apollo 8, acabara de passar duas horas e
vinte e sete minutos em órbitra terrestre. E os três astronautas (Frank
Frederick Borman II, James Arthur Lowell, jr. e William Alison Anders), estavam
agora em posição para tentar uma nova manobra, a injecção translunar, ou ITL.
Prontos a seguir ao espaço infinito, em direcção da Lua.
À medida que se afastavam da Terra, os
astronautas tinham dificuldade em registar tudo através da câmara fotográfica.
Apercebendo-se disso, o Centro de Houston pediu-lhes que fizessem “uma
descrição detalhada, como decerto, enquanto
poetas[2]” seriam capazes de fazer. E, embora sendo
quadros da Força Aérea Americana, fizeram – através da palavra falada.
Descrições muito belas que ficaram registadas para a História.
Ao preparar o seu regresso à Terra, teriam de
fazer uma manobra perigosa. Para evitar a atracção do astro, iriam disparar o
foguetão no lado escuro do mesmo. E só podiam fazer uma tentativa. Se falhassem
ficariam a orbitar a Lua para o resto das suas vidas. Mesmo assim, antes da
manobra, quiseram enviar uma mensagem especial para a Terra. E leram aquela
passagem inicial de Génesis (1-7), a Criação do Mundo - um texto fundador.
Antes de passarem à escrita, os textos fundadores
como o Épico de Gilgameš, a Biblia
Hebraica, ou a Ilíada e a Odisseia de Homero, foram reunidos pelos
escribas, segundo as informações que recolhiam junto dos contadores de histórias.
As histórias mais importantes acerca da criação
do mundo ou da fundação das cidades eram cantadas por bardos, que as tinham
aprendido de cor, e as interpretavam em ocasiões especiais. Os sacerdotes
índios das Américas recusavam-se a pôr por escrito as histórias sagradas, com
receio de perderem o controle sobre elas, sentimento partilhado 2000 anos
depois pelos bardos do Ocidente africano. Já os escribas egípcios, ao adoptarem
a escrita, procuraram mantê-la secreta.
Ora o autor do livro que agora têm em mãos,
passou à escrita, fragmentos da tradição oral local, ouvindo os Antigos e
utilizando a memória. E é nesta intersecção da memória colectiva e da memória
individual que se encontra a riqueza do volume.
Como bem disse António Vermelho do Corral em Da oralidade ao simbólico …[3], “A oralidade é o principal veículo através do
qual se processa a transmissão da cultura das gerações antigas às gerações mais
jovens …”.
José Veríssimo recolheu costumes, tradições e
lendas do termo de Lagoaça, e passou-as à escrita para se não perderem no
tempo. Ouviu-as deste e daquele, reuniu-as, e aí estão. Os da nossa geração, ao
lerem estas páginas, rememorarão nomes, locais, contos e lendas veladas há
muito; agora desveladas em pequenos fragmentos que ajudam a compreender um povo
fronteiriço e periférico. E escreve com o linguajar lagoaceiro, contribuindo,
deste modo, para um acrescento de termos do Povo Transmontano.
Quem por ali andou na infância e na juventude;
quem calcorreou aquelas ruas, montes e vales; quem ouviu o uivo do vento de
norte, com a cara fustigada pela neve invernal, ou quem nas brisas suaves da
Primavera, sentiu o perfume intenso de rosas ou de lírios do campo, tem aqui,
nos parágrafos que se seguem, reminiscências de um tempo remoto, bucólico,
lúdico e…eterno.
José Veríssimo – o Zé Manel - inicia o volume com
o Dia de Reis, trazendo-nos o Zangarrão, figurino já desaparecido das
ruas de Lagoaça, mas mantido na memória colectiva. Personagem característica
das antigas terras transmontanas, transporta-nos para tempos remotos do
paganismo. E desse tempo, já com a influência local, a esse figurino se associa
um universo rocambolesco do solstício de Inverno, como o Enterro do Velho, o Entrudo,
ou o Enterro do Entrudo, há muito
investigados por autores como António Pinelo Tiza ou António Neto. Temas de
cariz universal, disseminados por toda a Europa, foram em tempos rabiscados por
sir. James Frazer no mítico Ramo de Ouro.
Dos tempos frios
de invernia, Veríssimo apresenta-nos uma descrição primorosa da Matança do Porco, do dia de Santo Antão, padroeiro da
freguesia, do Santo Menino, ou da
manifestação profundamente católica do Cantar
das Almas.
Com preocupações
antropológicas, descreve algumas actividades comerciais já perdidas no tempo:
as forneiras, o ferrador e o latoeiro. Traz-nos ainda o antigo carpinteiro que
construía com perfeição o carro das bestas utilizado nos trabalhos diários do
campo, e o arado, que pouco mudou desde a época de Hesíodo (finais do séc. VIII
a.C.), que o descreve nos vv. 427-436 e 466-467 em Trabalhos e Dias. E o
enxertador, cuja actividade, Cícero (106-43 a.C.) considerou (44 a.C.) em Da Velhice, “a mais bela invenção da
agricultura” (15.54).
Nestas páginas
lemos sobre os Judeus, povo de importância capital na fundação das localidades
transmontanas, e a quem autores como Amílcar Paulo, António Júlio Andrade,
Fernanda Guimarães, ou Pimenta de Castro têm dedicado inúmeras páginas.
Presságios, pragas
e rituais antigos são aqui lembrados, assim como a função dos sinos das
igrejas.
Ao mundo mágico e
lendário, como o abordado por
Alexandre Parafita, e há muito por Frazer, vai o autor deste volume, dedicar
vários textos: O Tesoiro encantado, a
Estanca morena, o Tear das Feiticeiras, ou as páginas
dedicadas a Santa Marta e Santa Marina.
Do Picão do Nariz da Moira, além de nos
relembrar a influência Árabe tão bem tratada por António Borges Coelho ao nível
do território nacional, José Veríssimo, transporta-nos para uma simbologia das
pedras (fragas), como o fez Mircea Eliade, no seu Tratado das Religiões.
Locais
característicos como o Buraco dos Mouros,
a Pia do Sapo, o Ribeiro dos Casqueiros ou o Picotinho,
ficarão para sempre gravados na memória colectiva. Como ficará a Senhora
Lucrécia (a Dona Branquinha, como era conhecida), ou as cascatas do São João.
As barcas de
Carlos de Abreu, são aqui lembradas por Veríssimo quando justifica a de Mieza.
E depois do vento frio de Norte, vem a brisa perfumada da Primavera com as Maias, tema universal, muito
difundido no território nacional por Jorge Lage.
Alguns fragmentos
históricos, acompanham pequenos episódios pouco conhecidos como o feijão do padre, ou A Bênção da Locomotiva do poeta Guerra Junqueiro.
É
neste tipo de trabalhos, pela primeira vez realizado nesta freguesia, que se
fundamentam as grandes monografias.
Para
nós foi um privilégio prefaciar o volume e rever os textos, com indicações
metodológicas e bibliográficas. Porque foi nessas terras que germinámos,
transformando-nos naquilo que hoje somos. E onde nasceu o nosso irmão Hélder Abílio (o Lelo).
Armando Palavras /
Oeiras, Janeiro de XIX
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