sábado, 15 de junho de 2019

Lagoaça - Earthrise


Nascer da Terra (Earthrise) é o nome dado à fotografia AS8-14-2383HR da NASA tirada por William Anders durante a missão Apollo 8 à Lua, em 24 de Dezembro de 1968, com 75 h 49 m de tempo de missão decorrido (cerca das 16 h 40 m UTC). Nela, a Terra surge parcialmente na sombra, vendo-se em primeiro plano a superfície lunar, ao jeito de um nascer do sol. A Apollo 8 não aterrou na Lua, a foto foi tirada da órbita lunar.



José Veríssimo (Faragata) 
nasceu
em Freixo de Espada à Cinta 
a 8/01/1962, 
onde residiu até aos quatro anos 
de idade, 
depois passou a residir em 
Lagoaça, 
aldeia materna. A partir dos 21 anos 
fixou residência em Cacia /Aveiro, 
mas vai regularmente a Lagoaça. 
Aqui casou e constituiu família. 
Possui o curso Cientifico-Humanístico 
de Ciências Sociais e Humanas 
(12º ano) 
e é metalúrgico.








Prefácio                       


Em finais de 1968, a última missão americana da Apollo 8, acabara de passar duas horas e vinte e sete minutos em órbitra terrestre. E os três astronautas (Frank Frederick Borman II, James Arthur Lowell, jr. e William Alison Anders), estavam agora em posição para tentar uma nova manobra, a injecção translunar, ou ITL. Prontos a seguir ao espaço infinito, em direcção da Lua.
À medida que se afastavam da Terra, os astronautas tinham dificuldade em registar tudo através da câmara fotográfica. Apercebendo-se disso, o Centro de Houston pediu-lhes que fizessem “uma descrição detalhada, como decerto, enquanto poetas[2]” seriam capazes de fazer. E, embora sendo quadros da Força Aérea Americana, fizeram – através da palavra falada. Descrições muito belas que ficaram registadas para a História.
Ao preparar o seu regresso à Terra, teriam de fazer uma manobra perigosa. Para evitar a atracção do astro, iriam disparar o foguetão no lado escuro do mesmo. E só podiam fazer uma tentativa. Se falhassem ficariam a orbitar a Lua para o resto das suas vidas. Mesmo assim, antes da manobra, quiseram enviar uma mensagem especial para a Terra. E leram aquela passagem inicial de Génesis (1-7), a Criação do Mundo - um texto fundador.
Antes de passarem à escrita, os textos fundadores como o Épico de Gilgameš, a Biblia Hebraica, ou a Ilíada e a Odisseia de Homero, foram reunidos pelos escribas, segundo as informações que recolhiam junto dos contadores de histórias.
As histórias mais importantes acerca da criação do mundo ou da fundação das cidades eram cantadas por bardos, que as tinham aprendido de cor, e as interpretavam em ocasiões especiais. Os sacerdotes índios das Américas recusavam-se a pôr por escrito as histórias sagradas, com receio de perderem o controle sobre elas, sentimento partilhado 2000 anos depois pelos bardos do Ocidente africano. Já os escribas egípcios, ao adoptarem a escrita, procuraram mantê-la secreta.
Ora o autor do livro que agora têm em mãos, passou à escrita, fragmentos da tradição oral local, ouvindo os Antigos e utilizando a memória. E é nesta intersecção da memória colectiva e da memória individual que se encontra a riqueza do volume.
Como bem disse António Vermelho do Corral em Da oralidade ao simbólico …[3], “A oralidade é o principal veículo através do qual se processa a transmissão da cultura das gerações antigas às gerações mais jovens …”.
José Veríssimo recolheu costumes, tradições e lendas do termo de Lagoaça, e passou-as à escrita para se não perderem no tempo. Ouviu-as deste e daquele, reuniu-as, e aí estão. Os da nossa geração, ao lerem estas páginas, rememorarão nomes, locais, contos e lendas veladas há muito; agora desveladas em pequenos fragmentos que ajudam a compreender um povo fronteiriço e periférico. E escreve com o linguajar lagoaceiro, contribuindo, deste modo, para um acrescento de termos do Povo Transmontano.
Quem por ali andou na infância e na juventude; quem calcorreou aquelas ruas, montes e vales; quem ouviu o uivo do vento de norte, com a cara fustigada pela neve invernal, ou quem nas brisas suaves da Primavera, sentiu o perfume intenso de rosas ou de lírios do campo, tem aqui, nos parágrafos que se seguem, reminiscências de um tempo remoto, bucólico, lúdico e…eterno.
José Veríssimo – o Zé Manel - inicia o volume com o Dia de Reis, trazendo-nos o Zangarrão, figurino já desaparecido das ruas de Lagoaça, mas mantido na memória colectiva. Personagem característica das antigas terras transmontanas, transporta-nos para tempos remotos do paganismo. E desse tempo, já com a influência local, a esse figurino se associa um universo rocambolesco do solstício de Inverno, como o Enterro do Velho, o Entrudo, ou o Enterro do Entrudo, há muito investigados por autores como António Pinelo Tiza ou António Neto. Temas de cariz universal, disseminados por toda a Europa, foram em tempos rabiscados por sir. James Frazer no mítico Ramo de Ouro.
Dos tempos frios de invernia, Veríssimo apresenta-nos uma descrição primorosa da Matança do Porco, do dia de Santo Antão, padroeiro da freguesia, do Santo Menino, ou da manifestação profundamente católica do Cantar das Almas.
Com preocupações antropológicas, descreve algumas actividades comerciais já perdidas no tempo: as forneiras, o ferrador e o latoeiro. Traz-nos ainda o antigo carpinteiro que construía com perfeição o carro das bestas utilizado nos trabalhos diários do campo, e o arado, que pouco mudou desde a época de Hesíodo (finais do séc. VIII a.C.), que o descreve nos vv. 427-436 e 466-467 em Trabalhos e Dias. E o enxertador, cuja actividade, Cícero (106-43 a.C.) considerou (44 a.C.) em Da Velhice, “a mais bela invenção da agricultura” (15.54).
Nestas páginas lemos sobre os Judeus, povo de importância capital na fundação das localidades transmontanas, e a quem autores como Amílcar Paulo, António Júlio Andrade, Fernanda Guimarães, ou Pimenta de Castro têm dedicado inúmeras páginas.
Presságios, pragas e rituais antigos são aqui lembrados, assim como a função dos sinos das igrejas.
Ao mundo mágico e lendário, como o abordado por Alexandre Parafita, e há muito por Frazer, vai o autor deste volume, dedicar vários textos: O Tesoiro encantado, a Estanca morena, o Tear das Feiticeiras, ou as páginas dedicadas a Santa Marta e Santa Marina.
Do Picão do Nariz da Moira, além de nos relembrar a influência Árabe tão bem tratada por António Borges Coelho ao nível do território nacional, José Veríssimo, transporta-nos para uma simbologia das pedras (fragas), como o fez Mircea Eliade, no seu Tratado das Religiões.
Locais característicos como o Buraco dos Mouros, a Pia do Sapo, o Ribeiro dos Casqueiros ou o Picotinho, ficarão para sempre gravados na memória colectiva. Como ficará a Senhora Lucrécia (a Dona Branquinha, como era conhecida), ou as cascatas do São João.
As barcas de Carlos de Abreu, são aqui lembradas por Veríssimo quando justifica a de Mieza. E depois do vento frio de Norte, vem a brisa perfumada da Primavera com as Maias, tema universal, muito difundido no território nacional por Jorge Lage.
Alguns fragmentos históricos, acompanham pequenos episódios pouco conhecidos como o feijão do padre, ou A Bênção da Locomotiva do poeta Guerra Junqueiro.
É neste tipo de trabalhos, pela primeira vez realizado nesta freguesia, que se fundamentam as grandes monografias.
Para nós foi um privilégio prefaciar o volume e rever os textos, com indicações metodológicas e bibliográficas. Porque foi nessas terras que germinámos, transformando-nos naquilo que hoje somos. E onde nasceu o nosso irmão Hélder Abílio (o Lelo).

Armando Palavras / Oeiras, Janeiro de XIX




[1] “Penetrar nos segredos das coisas”, Virgílio, Geórgias, 2-490.
[2] O negrito é nosso.
[3] Conferência realizada na Sociedade de Geografia em 2014.

Sem comentários:

Enviar um comentário