no Público
12/6/2019
por Santana Castilho*
As últimas notícias
sobre o nosso sistema de ensino ilustram quão certeiro foi o pensamento de
António Aleixo, poeta do povo: “Há tantos burros mandando em homens de
inteligência, que às vezes fico pensando que a burrice é uma ciência”.
1. João Costa veio, em
artigo de 30 de Maio passado (Observador), defender-se das críticas às suas teorias
sobre flexibilidade e inclusão. Abalroada pela demagogia que a domina, a prosa
do secretário de Estado assentou num maniqueísmo primário e populista. Segundo
ele, uns querem sucesso e inclusão para todos (ele e prosélitos), outros (os
que lhe criticam os métodos), preferem reprovar os alunos. Escapou-lhe
considerar que o que separa a turma dele (perita em baixar a fasquia dos pobres
em vez de lhes conferir os meios para chegarem onde os ricos chegam) da turma
dos outros é a recusa, por parte dos segundos, a certificar a ignorância. E que
o grande combate a favor da inclusão começa fora da Escola, sob
responsabilidade alheia aos professores, colada, outrossim, à pele dos
políticos promotores da mediocridade. E continuará na Escola, quando
substituirmos proclamações palavrosas, papéis e burocracia por meios, recursos
e dignidade para quem ensina.
2. Outro Costa, este
António, fez-me recordar a eloquência de Américo Tomás (nos anos 60, disse o
então Presidente da República numa inauguração: “É a primeira vez que estou cá
desde a última vez que cá estive”). Afirmou o nosso primeiro-ministro, coveiro
da justiça devida aos professores, numa escola de Arcos de Valdevez: “Uma
escola são aqueles que estão na escola, que vivem, trabalham e estudam na
escola. No início de final do ano lectivo presto grande tributo pelo trabalho
que têm desenvolvido e que, mais uma vez, este ano desenvolveram”. Os
professores presentes na sala, apesar de bofeteados pelo seu cinismo,
continuaram na sala.
3. Leu-se profusamente
na imprensa que o Governo criou um regime especial de avaliação para que
professores possam progredir na carreira. Ora o Governo não criou coisa
nenhuma. Foi a DGAE que “criou”, com uma simples “nota informativa”, uma
brincadeira para remediar a trapalhada que o Governo pariu. Ou seja, o homem
demitia-se se a AR fizesse cócegas ao OE, para fazer justiça mínima aos
professores. Mas não tugiu nem mugiu quando uma directora-geral resolveu (com
impacto orçamental) ao contrário do que continua escrito na lei.
4. Com aulas a
funcionar, vigilâncias a promover, conselhos de turma em simultâneo, exames
nacionais a preparar e instruções a pingar a toda a hora, a vida das escolas
foi nos últimos tempos um inferno logístico, a que se somaram as provas de
aferição. Excluindo ministro e secretários de Estado, é difícil encontrar quem
defenda provas iguais para curricula diferentes, absolutamente estéreis e sem
nexo para concluir sobre a evolução do que se aprende, resistindo à sua óbvia
inutilidade.
5. O Parlamento
decidiu aumentar o salário dos juízes dos tribunais superiores, os quais, a
partir de agora, poderão ganhar mais que o primeiro-ministro. Ao fazê-lo,
retirou legitimidade moral e ética à retórica da contenção salarial. Com
efeito, é inaceitável, no domínio dos princípios constitucionais, que as
carreiras das classes profissionais sejam tratadas em função da expressão
numérica que as caracteriza, falemos de professores, militares ou outros
portugueses. E é revoltante que se diga (deputado Fernando Anastácio,
apresentador e defensor na AR da proposta socialista, casado com uma juíza, por
coincidência do destino relatora do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
que absolveu Maria de Lurdes Rodrigues da inicial pena suspensa de três anos e
meio de prisão e, por graça de Deus, pai do jovem Pedro Anastácio, membro do
secretariado nacional da Juventude Socialista, envolvido, por inveja dos
homens, na decantada polémica do familygate do PS), no caso dos juízes,
tratar-se tão-só de repor um direito que já existiu, enquanto se ignora, no
caso dos professores, o que uma lei em vigor dispõe. Tudo no mesmo Estado, dito
de Direito. Aos professores e ao Direito o PS disse não e chantageou com a
demissão. Aos juízes e aos costumes de conveniência disse sim e curvou-se
servilmente. Pelo menos, ficou ainda mais clara a densidade da ética
republicana deste PS.
*Professor do ensino
superior
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