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Os mornais nas eiras |
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JOSÉ VERISSÍMO |
Das várias
fazes que completam o ciclo do pão, atendendo ao ambiente comunitário e de
festa que as caraterizava, as parvas são ex-libris.
A azáfama era grande, carros de bestas entravam e saíam das eiras, quais
formigas no carreiro, na acarreija[1] do trigo ou centeio das cernelhas[2] que povoavam as terras. O chiar dos
carros impunha a sua melodia ronceira nos campos e ao fim de algumas manhãs no
caminho do carril pareciam os grazes[3] em hora de ponta. Durante o mês de
julho uma outra aldeia edificava-se nas eiras que ganhavam vida vestidas de mornais[4] separados por um labirinto de ruelas
estreitinhas e onde nós corríamos jogando ao esconde-esconde. Próximos das eiras, os palheiros eram o
prolongamento da aldeia. Dispostos das barrancas até ao cemitério e ao barrocal , destinavam-se, primordialmente, ao
armazenamento da palha do trigo e do centeio para garantir cama e complemento
no sustento dos animais durante o ano.

Para dar
vazão à voracidade da máquina, era necessária muita gente, daí o recurso à
mútua ajuda. Desde os mais velhos aos mais novos, homens e mulheres. Calcando a
palha com espalhadoiras de pau nos palheiros, ou estendendo toldes para aparar
a palha atrás da malhadeira, abondando molhos, transportando à cabeça toldes de
palha para os palheiros ou ficar aos sacos, todos tinham uma tarefa. O calor
era muito e o suor, a moinha e as arganas
irritavam os olhos, o corpo e o nariz; porém, as refeições que se comiam nas
eiras ou a proximidade de uma namorada, sobrepunham-se a tudo isso. Eram
manjares dignos dos Deuses. Fico com água na boca quando recordo as sopas da
segada, feitas pela minha madrinha e que fazia questão que constassem na ementa
do desinjum, ou o bacalhau frito com cebolada, o frango frito, o queijo,
a pescada passada por ovos, o salpicão, a salada de tomate... E o vinho bebido
daquelas botalhas ou “cantando o
Gregório” e bebendo do esguicho da bota!
Terminada a
debulha chegava o carro das bestas para o transporte do cereal para casa depois
de devidamente pesado e ser retirada a maquia que iria pagar o desempenho da
máquina. Durante a operação de carga do carro costumava haver desafios de medição
de forças: ver qual era o que conseguia colocar o saco mais pesado nas costas
sem ajuda, levantá-lo do chão com os dentes... Chegados a casa, parte do cereal
(para consumo e o da próxima sementeira) ia diretamente para a tulha, o
restante ficava nos sacos para posteriormente ser vendido ao celeiro. Os
termos, murnal, parva e eira são os
mesmos que se usam em Aldeadávila e Mieza, povoações espanholas próximas de
Lagoaça, que registam algumas terminologias comuns, como também um bairro de baixo, um bairro de cima… Destas e outras coincidências podemos concluir que
muito é o que nos une naquilo que nos separa.
[1]Transporte do trigo das terras
para as eiras.
[2]Construções paralelepipédicas
feitas com os molhos de cereal nas terras onde aguardavam a acarreja.
[3]Gorazes: Realiza-se a 16 de
outubro de cada ano, em Mogadouro, é tida como a melhor feira da região e identificada por
este nome.
[4]Construção cilíndrica que
terminava em cone feita com molhos de cereal nas eiras.
[5]Unidade de medida que
correspondia a quatro molhos de trigo, centeio ou cevada e a um alqueire de
grão.
[6]Ato da debulha.
[7] ceifa.
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