no Público
17/4/2019
“Um aluno de 12 anos agrediu a pontapé e a soco
um professor de 63, depois de este o admoestar por estar a brincar com uma bola
dentro da sala de aula”, podia ler-se numa peça recente deste jornal. No
desenvolvimento do texto, ficava-se a saber que o pequeno marginal tinha
proferido a bazófia que “puxei” para título desta crónica. O tema foi objecto
de múltiplas referências em jornais e televisões mas, 12 dias passados, está arquivado
no limbo do esquecimento, para onde são remetidos os sucessivos episódios que
documentam o mais grave problema da escola pública: a
indisciplina. Com efeito,
entre tantos outros, quem se lembra do caso de um aluno de 11 anos, violado por
um colega no interior de uma escola de Montemor-o-Novo, do Leandro, 12 anos de
vida, que se suicidou nas águas do Tua para fugir ao bullying dos colegas, ou
do Luís, professor de música, que se atirou da Ponte 25 de Abril, “empurrado”
por pequenos marginais que não o deixavam dar as suas aulas?
Voltando à agressão, já que da boca do ministro
da Educação não se ouviu uma palavra e o Presidente não fez selfie com o
professor agredido, arrisco eu a fotografia breve da situação que explica a
cena.
Por vias e com motivações diversas (algumas
perversas), tem-se imposto um conceito pedagógico que associa a defesa da
disciplina a pulsões autoritárias de quem não consegue afirmar-se por outros
meios (supostamente paradisíacos). Paulatinamente, tem-se imposto na escola uma
ideologia protectora do aluno mal comportado, ao qual só assistem direitos.
Dizer que não há dois alunos iguais é um
lugar-comum. Mas mais comum se tornou tratar em modo de esquecimento a maioria.
Refiro-me aos alunos que não causam problemas de comportamento e que são
permanentemente prejudicados pelos pequenos marginais, que não deixam as aulas
funcionar. A pouca diferenciação que se aplica nas escolas está adulterada por
um modo afunilado de interpretar o conceito de inclusão, que atira todos os
apoios para cima dos pequenos marginais e termina excluindo os que se portam
bem, sem resolver o problema daqueles. Esta situação tem vítimas: os alunos
cumpridores, os professores que lutam pela reconquista da disciplina e a escola
pública amputada de um meio central de eficácia.
Sejamos claros: se uma vertente nuclear da
educação for (e é) tornar o ser moralmente responsável pelos seus actos,
perante a sua consciência e perante os outros, resulta evidente que não o
podemos deixar entregue à sua natureza instintiva. Outrossim, temos de o
orientar num processo que o leve a admitir que a sua liberdade tem limites e
que a entrada na sociedade supõe a aceitação de um conjunto de normas e de
regras (disciplina) a que terá de obedecer. Assim sendo, o acto de educar supõe
uma vertente disciplinar, que não dispensa a coerção necessária para substituir
instintos (animais) por virtudes (humanas).
Não entender isto tornou-se politicamente
correcto, mas denunciar isto vale o risco de ser queimado na fogueira
inquisitória dos “pedabobos”. A autonomia que sempre tenho defendido para as
escolas não serve se for entregue a (ir)responsáveis que escondem que a
indisciplina é o maior problema das instituições que dirigem. Dir-se-ia que a
indisciplina se normalizou, assumindo-se como coisa inevitável.
Dir-se-ia que a obsessão pelos cuidados a prestar
às crianças e aos adolescentes obliterou a obrigação de os responsabilizar. É
tempo de os responsáveis encararem a dureza da realidade que negam: a
manifestação da crueldade de muitos pré-adolescentes e adolescentes, vinda da
incompetência ou da demissão parental, não pode ser aceite na escola com os
panos quentes da pedagogia romântica. Muito menos com as artes demagogicamente
inclusivas, branqueadoras e flexíveis, dos tempos que correm. Os problemas
maiores das escolas não são gerados na sala de aula. São trazidos para a sala
de aula, anulam a aula e não são resolvidos depois da aula. É um ciclo vicioso
que vai minando a escola pública e violentando a maioria que nela labuta:
alunos, professores e funcionários. A impotência face aos agressores é uma
razão de peso para o desespero e para a ausência de esperança que domina parte
dela. Erram os que identificam disciplina com repressão, sem lhe reconhecer a
capacidade transformadora de um ser bruto num ser social, ética e culturalmente
válido.
*Professor do ensino superior
Publicada por AL
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