Todo o mérito deste feito grandioso, talvez
ao maior a que a Humanidade assistiu, deve-se a Fernão de Magalhães que teve,
apenas, o patrocínio da coroa espanhola, porque Dom Manuel I lho recusou,
humilhando-o.
Retrato do pintor italiano Cristofano dell'Altissimo |
Magalhães, mesmo depois de humilhado pela
coroa portuguesa, dirigiu-se a Sevilha onde casou com a filha de quem lhe
ofertou os primeiros apoios. Aí, as dificuldades não foram poucas. Foi preciso
criar ligações para conseguir entrar na Casa
de Contratacion e, a seguir, o apoio do Conselho do Rei de Espanha, Carlos
V, onde estava o céptico Fonseca, bispo de Burgos. E mesmo depois do apoio
total de Carlos V, do seu Conselho e de Christopher Haro (que garantiu 2 dos 8
milhões de maravedis que eram necessários), teve de enfrentar, ainda em
Sevilha, uma quantidade de adversidades: as investidas dos sevilhanos e a de
Portugal, a mando do próprio Rei.
Os sevilhanos, invejosos, atrasavam-lhe os
preparativos, não lhe concedendo o dinheiro que o Rei espanhol autorizara.
Magalhães contorna isto dirigindo-se directamente a Carlos V.
De Portugal surge o pior. Depois de se saber
que a frota de Magalhães era uma realidade, fez-se tudo para boicotar a viagem,
pois colocaria em perigo o domínio de Portugal sobre o comércio das especiarias
(estava ainda em causa o Tratado de Tordesilhas). Álvaro da Costa, embaixador
português, tudo fez, por ordem de Dom Manuel I, para boicotar a viagem.
Não o conseguindo, a corte portuguesa procura
sabotar a frota pondo em campo o espião Sebastião Álvares, também cônsul
português em Sevilha.
Mas as contrariedades não se ficaram por
aqui. Depois de zarpar, já nas Caraíbas, Magalhães recebe uma mensagem do sogro
dizendo que os capitães espanhóis lhe vão dificultar o comando. Na verdade, só
há última hora, Magalhães consegue contratar 30 portugueses para a expedição
(Carlos V tinha-lhe imposto apenas cinco), já que os capitães espanhóis lhe
foram impostos sem alternativa. Quanto à tripulação era composta por um
conjunto de maltrapilhos que vagueavam pelas ruas e tabernas de Sevilha, de
várias nações: espanhóis, gregos (Corfu), pretos, bascos, portugueses,
italianos, alemães, ingleses, cipriotas. Todos “desperados”. Gente que venderia a alma ao diabo.
Mesmo com estas contrariedades, Magalhães
programou meticulosamente a viagem. Com o conhecimento que tinha de décadas de
experiência na Índia Portuguesa (serviu Francisco de Almeida e Afonso de
Albuquerque), com o conhecimento do arquivo secreto português onde foi buscar
informação, incluindo o famoso mapa de Martinho da Boémia, com o
conhecimento do erudito e astrónomo Ruy Faleiro e com as informações que lhe
mandava o seu amigo Francisco Serrão das Molucas.
No fundo, de Espanha apenas tem o investimento.
E mesmo assim, parte desse investimento foi patrocinado por Christopher de
Haro, um famoso armador, cujos negócios estavam sediados em Lisboa.
Inspeccionou ao milímetro as naus da frota, o
seu carregamento, e inventou um sistema de comunicação para o alto mar, já que
a frota era composta por naus de diferentes tonelagens.
Já na viajem António Cartagena, seu adjunto,
insurge-se. Magalhães prende-o. Chegou a ser enxovalhado pelos seus capitães.
Em São Julião, já no Chile, os capitães amotinam-se,
Magalhães num golpe de destreza, põe fim ao motim. O que se passou depois,
serviu de lição para Francis Drake, 57 anos depois.
Já no estreito de Magalhães a nau San
António deserta, e Magalhães segue viagem apenas com três embarcações (uma delas
tinha sido já destroçada numa tempestade), com parcos víveres e uma tripulação
esgotada.
Com todas estas contrariedades Magalhães
seguiu em frente. Fosse outro teria voltado para trás, como aliás pretendiam os
capitães espanhóis amotinados (e o ainda marinheiro Del Cano).
Foi Magalhães que deu o nome ao oceano Pacifico, que assim o denominou devido à ausência de vento.
Passam 3 meses e 20 dias esfomeados até
chegarem às Filipinas. Mas avançam, não recuam, sempre comandados pelo seu
Almirante – Magalhães.
A 7 de Abril de 1521, a frota aproxima-se da
ilha de Cebeu, a maior ilha. Magalhães cria boas relações com o seu rei e a
propósito de dar uma lição militar a Cilapulapu, um rajá que proibiu os seus
súbditos de fornecer víveres aos estrangeiros, é morto em combate, cujo corpo
covardemente não foi resgatado. Enrique, o fiel escravo malaio de Magalhães, esteve com o Almirante até ao último momento da luta. E ferido, foi levado pelos batéis para o navio. Enrique terá sido o primeiro homem que verdadeiramente deu a volta ao mundo. E Magalhães esteve a um passo de também o ser, porque por esse sudoeste asiático andou em 1509.
A 1 de Maio, depois da morte de Magalhães, os
navegadores caem numa cilada do rei de Cebeu, a pretexto de um convite. São
chacinados 29 incluindo os seus capitães e João Serrão, rechaçado à vista de
todos e de João de Carvalho, agora o comandante supremo.
Ao deixarem para trás a ilha de Cebeu, dos 265
homens que saíram de Sevilha, restavam 115, poucos para navegarem em 3 naus.
Por essa razão optam por incendiar a nau Concepcion.
A bandalheira é tal que Carvalho é deposto e
substituído por um triunvirato: Gomez Espinosa (Trinidad), Sebastião del Cano
(Victoria) e o piloto Poncero como “governador della armata”.
No meio daquela bandalheira, enquanto
pilhavam, o acaso coloca-lhes nas mãos um prisioneiro que os leva ao destino
tão desejado por Magalhães: as ilhas bem-aventuradas – as Molucas. Onde chegam
a 8 de Novembro de 1521. Sobre o que viram nestas ilhas, testemunha-o a célebre
carta de Maximiliano Transilvano. Um paraíso!
Depois de abastecidos com toda a riqueza que
Magalhães esperava encontrar, chega a hora de regressar ao ponto de partida. Só
uma nau está em condições de fazer a viagem – a de El Cano. A este conspirador
contra Magalhães, no motim do porto de São Julião; traidor que quis impedir que
Magalhães continuasse, cabe a sorte de acabar o que Magalhães programou,
planeou e, de certa forma acabou. Porque nesse motim, Magalhães lhe concedeu
indulgentemente o perdão. Gomez de Espinosa, o fiel capitão de Magalhães teve
de aguardar nas Molucas enquanto a Trinidad era reparada.
A 13 de Fevereiro de 1522, Del Cano zarpa
rumo a Sevilha de um porto de Timor. Tem de evitar os portugueses, mas já tem
muita informação sobre a navegação do Índico e do Atlântico. Já não vai às
cegas, enquanto Magalhães havia feito o que nenhum outro havia ainda tentado!
Cambaleando de fadiga, os 31 marinheiros que
restavam dos 47 embarcados em Timor, através de uma patranha são ajudados pelos
portugueses em Cabo Verde, onde chegam a 9 de Julho. Detectada a vigarice, fogem abandonado covardemente os companheiros que se haviam
deslocado a terra em batel. A Sevilha chegam 18, a 4 de Setembro de 1522.
Mapa da rota de Magalhães de um dos atlas de
Battista Agnese (1544). BIBLIOTECA Do CONGRESO dos eua
|
A viagem de Magalhães trouxe à Humanidade,
conhecimentos excepcionais: mostrou que a terra é uma esfera em rotação; que
todos os mares são um mar único; e toda a cosmografia grega e romana foi posta
de lado bem como as fábulas da Igreja. Determinou-se definitivamente o
perímetro e a verdadeira extensão do cosmos terrestre. A imagem que temos da
terra foi fundamentalmente dada por Magalhães. Depois disso nasce uma nova
época: a época moderna.
Entretanto, graças ao depoimento de del Cano,
os desertores que se haviam amotinado e silenciado que Magalhães havia
encontrado o tal “paso”, ficam impunes. Del Cano não entrega ao Imperador
Carlos V uma única linha escrita por Magalhães e o diário de Antonio Pigafetta (o cronista da viagem) desaparece. Com que intenção? Para que se realce o triunfo de El Cano e para
que não se mencionasse a traição dos oficiais espanhóis ao português Magalhães.
Del Cano que tentou impedir a acção de
Magalhães em momentos cruciais, que encontrou refúgio na frota do Almirante
português por delito anterior (que passou ao esquecimento), recebe uma pensão
vitalícia de 500 florins, é elevado à nobreza, sendo-lhe atribuído um brasão. E
o grande desertor da nau San Atonio, no estreito, Estevão Gomes é tornado
nobre, e atribuem-lhe o mérito de ter encontrado a passagem enquanto guia e
primeiro piloto!
Pigafetta (1492-1531) que sempre se manteve fiel ao seu
Almirante português, faz a descrição perfeita da viagem que William Shakespeare
imortalizou em A Tempestade, com uma cena relatada por este homem de Vicenza ( república de Veneza). Não
mencionou uma única vez o nome de El Cano [embora se lhe reconheça um certo
arrojo]. Escreve sempre “nós navegámos”,
ou “nós decidimos”, dando a entender
que o capitão espanhol não fez mais que os outros, nem lhes foi superior.
Quanto a Magalhães, na dedicatória do seu livro que endereça ao grão-mestre de
Rodes, escreve: “Espero que a fama de um tão magnânimo capitão não se extinga mais.
Entre as muitas outras virtudes que o adornavam, uma era particularmente digna
de realce: ele foi sempre o mais firme de todos, mesmo em situação de grande
desgraça. Suportou a fome com mais paciência do que qualquer um de nós. Não houve
no mundo nenhum outro homem que conhecesse melhor a ciência dos mapas e da
navegação. E que tudo isto é verdade, comprova-o o facto de ter posto a
descoberto coisas que antes dele ninguém ousara ver ou descobrir”.
Armando Palavras
Nota: Os números apresentados não coincidem com
outros apresentados por outros investigadores como José Manuel Garcia, entre
outros. Mas diferem ligeiramente sem colocar em causa o rigor. Depende das
fontes e das interpretações.
Actualizado a 15 de Março de 2019
Actualizado a 15 de Março de 2019
Eu pessoalmente ainda não tempo nem condições de ler e acessar a toda esta informação histórica. Por isso, uma vez mais eu agradeço ao Dr Armando Palavras por estas partilhas virtuais e, claro, a verdade dos factos é irrevogável. A mentira segundo dizem os Judeus, pode te levar longe, mas não garante o retorno ao ponto de partida.
ResponderEliminarÉ mais ou menos isto que aconteceu com Cristóvão Colombo e tantos outros navegadores daqueles tempos.
O primeiro marco Lusitano fincado no Brasil foi na Praia de Touros que fica a 90 kms ao Norte de Natal e uns quase 1.500 kms de Porto Seguro no Estado da Bahia.
Por idiotice do Secretário de Turismo do RN este Marco foi deslocado para a Fortaleza de Natal... Enfim politiquices que ofendem o evento histórico original, nada mais.
Parabéns pelo Artigo!
Silvino Dos Santos Potencio - Emigrante Transmontano em Natal/Brasil