De regresso
de um fim de ano passado fora de Lisboa, assisti estupefacto a uma polémica
envolvendo o Sindicato dos Jornalistas, o ministro João Cravinho júnior e
algumas figuras de esquerda, sobretudo do PS e do Bloco.
Defendia o
Sindicato dos Jornalistas - imagine-se! - que a TVI deveria ter censurado a
entrevista de um tal Mário Machado, militante de extrema-direita que esteve
vários anos preso por crimes de diversa índole e é suspeito de envolvimento no
assassínio de um jovem de cor, Alcindo Monteiro.
Mas desde
quando os jornalistas advogam a censura?
Não seria
mais normal os jornalistas defenderem a TVI pela iniciativa de entrevistar um
dos poucos portugueses que se assumem de extrema-direita, para ele explicar as
suas ideias?
O jornalismo
não consiste em ‘mostrar’ e não em ‘esconder’?
A seleção das
ideias não deve competir à sociedade e não aos jornalistas travestidos de
controleiros?
Parece que o
indivíduo em causa defendeu que Portugal precisa de um novo Salazar.
Devo dizer
que não é o único - já ouvi outras pessoas dizerem o mesmo.
Perante isto,
os contestatários justificaram a censura com o facto de a difusão de ideias
fascistas estar proibida pela Constituição.
Ora, não é
verdade: o que a Constituição proíbe são os partidos e as organizações fascistas;
não proíbe um indivíduo de gostar de Salazar e o dizer.
Mas de que
têm medo os que queriam calar o senhor Machado?
Que os
portugueses se sentissem seduzidos pelo seu discurso?
A democracia
é tão frágil que não resiste às invetivas de um qualquer senhor Machado?
O
esclarecimento não deverá ser feito pelo combate de argumentos e não pelo seu
silenciamento?
Quem advoga a
censura é porque não se sente muito segura dos seus argumentos…
Além dos
jornalistas, o ministro João Cravinho Jr. saiu a terreiro a atacar a estação
que transmitiu a entrevista.
Foi,
obviamente, um perfeito disparate - pois só lhe deu mais visibilidade.
Será que
Costa não consegue controlar os ministros que se desdobram em declarações
disparatadas?
Foi a
ministra da Cultura a atacar os jornais (sendo depois obrigada a explicar-se),
foi a ministra da Saúde a insultar os enfermeiros (sendo depois obrigada a
pedir-lhes desculpa), é o ministro da Defesa a atacar uma estação de TV…
Mas o mais
insólito de tudo foi um post da impagável Isabel Moreira onde dizia: «Em
memória de Alcindo Monteiro - contra a normalização do fascismo e de nazis que
hoje mesmo está a ser feita em Portugal na TVI».
Tal como
outros opinadores, Isabel Moreira meteu tudo no mesmo saco: o salazarismo, o
fascismo e o nazismo.
Ora, Isabel
Moreira é uma das pessoas que não o deveriam fazer, pela simples razão de ter
um pai (Adriano Moreira) que foi ministro de Salazar e apontado depois como um
dos seus potenciais sucessores.
Acha Isabel
Moreira que o facto de seu pai ser ministro de um Governo de Salazar fazia dele
um fascista e um nazi?
Eu respondo:
não fazia.
O
salazarismo, o fascismo e o nazismo foram regimes essencialmente diferentes.
Simplificando,
basta dizer que enquanto o nazismo era um ‘regime totalitário’ - pois o Estado
detinha o monopólio da política, da economia e da ideologia, segundo o
princípio ‘tudo no Estado, nada fora do Estado’ - e o salazarismo era aquilo a
que tecnicamente se chama um ‘regime autoritário’, que admitia a existência de
iniciativa privada e a atividade das religiões.
De resto,
como é sabido, a organização verdadeiramente fascista que existiu em Portugal -
os Camisas Azuis - foi perseguida por Salazar e o seu chefe (Rolão Preto) foi
preso.
O nazismo só
é comparável ao comunismo - quer no aspeto totalitário quer na destruição e
morte que espalhou.
Sucede que
Isabel Moreira - e Cravinho Jr. e muitos socialistas -, que se escandalizaram
com o senhor Machado, não se escandalizam com as horas e horas que partidos
declaradamente comunistas (o PCP e o BE) ocupam nas televisões sem qualquer
contraditório.
Mais: Isabel
Moreira e o partido do ministro Cravinho Jr. votam no Parlamento ao lado dos
deputados do PCP e do BE.
O senhor
Machado ainda foi ouvido numa entrevista em que foi contraditado pelos
entrevistadores.
Mas Catarina
Martins e Jerónimo de Sousa são ouvidos a toda a hora sem qualquer
contraditório, isto é, exclusivamente para fazerem a sua propaganda.
Finalmente, a
TVI não tinha nada que se justificar, como fez, e ao acabar com a rubrica deu
um péssimo exemplo de falta de coragem.
A obrigação
dos jornalistas é estimularem o debate, é ouvirem opiniões diferentes - pois só
assim as pessoas podem escolher.
Esconder as
opiniões, atirar as ideias incómodas para debaixo do tapete, só pode contribuir
para a sua maior difusão - através das redes sociais.
Como bem
recordou João Miguel Tavares, Bolsonaro ganhou as eleições sem ter feito um
único debate.
Se tivesse
ido à TV, se calhar teria menos votos.
É bom que
todas as ideias sejam debatidas abertamente: só assim podem ser vencidas.
Aliás, foi
bom o Sindicato dos Jornalistas, João Cravinho Jr. e Isabel Moreira terem vindo
a público falar deste caso - pois isso permitiu revelar a sua impreparação
histórica e absoluta falta de senso e espírito democrático.
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