domingo, 30 de dezembro de 2018

Carta ao Pai Natal, pela liberdade, democracia e igualdade



Helena Garrido  OBSERVADOR, 20/12/2018


Ao Pai Natal ficam aqui pedidos de ajuda para nos apoiar a combater os novos modelos de censura e perseguição das diferenças, em nome da igualdade e da democracia.
São os desejos de Natal que aqui ficam neste fim do ano de 2018 que termina com mais incertezas do que o de 2017. Olhar mais para a desigualdade e combater os excessos de policiamento da opinião que ameaçam as liberdades já conquistadas.
O primeiro pedido é que nos ajude a todos a ter bom senso, a distinguir o importante do irrelevante e a ter menos medo do mundo e da diferença. É do medo vem o veneno que está a abalar as democracias. É o medo que está a eleger líderes que são contra as igualdades. E é o medo que está a dar espaço às novas formas de censura.
(…)
(…)
O segundo bloco de pedidos ao Pai Natal tem como destinatários todos os que têm caído nos excessos do policiamento do que cada um diz, excessos estes que se aproximam da censura e perseguição de quem é diferente. Parece um contrassenso, considerar que se está a violar o direito à diferença, numa altura em que o discurso público político promove as políticas de igualdade. Mas hoje a liberdade de pensamento e de opinião está mais ameaçada do que no passado recente.
Vale a pena ler o que escreveu Rui Tavares por exemplo aqui sobre a tolerância. Agarre-se no paradoxo da tolerância definido por Karl Popper. Sim, a tolerância sem limites pode levar à extinção da tolerância. Quais devem então ser os limites da tolerância à liberdade de pensamento e de acção? Devemos aceitar a liberdade de pensamento de todos os que respeitam os direitos humanos, de todos os que não sejam fanáticos, de todos os que estejam abertos a ouvir as opiniões dos outros com disponibilidade até para mudar a sua opinião, de todos os que não queiram acabar com a liberdade dos outros.
O problema é que começam a existir sintomas, na sociedade ocidental em geral e em Portugal em particular, de fanatismo, de comportamentos tribais e de perseguição a quem não pensa da mesma maneira. E estamos apenas a falar de ataques contra os que não são fanáticos, os que nos deixam pensar e ser diferentes. Chega-se ao ponto de a simples tentativa de explicar as razões da subida do populismo, por exemplo, conduzir a acusações de que se está a querer justificá-lo. Há pessoas qualificadas que dizem que não leem este ou aquele jornal porque a sua tribo é contra ele. Quem são afinal os fanáticos ou os intolerantes?
Neste momento, essa onda do politicamente correcto — que atingiu também o ridículo de se querer mudar os provérbios – pode estar a criar uma reacção ameaçadora das liberdades até agora conquistadas. É muito preocupante, se não mesmo aterrador, perceber que existe já quem explique a ascensão do autoritarismo como uma reacção ao espaço que as mulheres têm conquistado no poder, como se pode ler no artigo da The Atlantic The New Authoritarians Are Waging War on Women. As coincidências são aterradoras. De Donald Trump nos EUA a Jair Bolsonaro no Brasil, de Matteo Salvini em Itália a Rodrigo Duterte nas Filipinas, todos têm em comum afirmações e alguns acções contra os direitos adquiridos pelas mulheres.
Corremos o sério risco de ver as liberdades conquistadas regredirem. Temos a obrigação de procurar as razões que levam as pessoas a elegerem esses líderes. E uma delas pode estar no facto de as conquistas dessas liberdades das mulheres terem criado um sentimento de medo e insegurança no resto da sociedade, com especial relevo para a comunidade masculina. O risco de não reflectirmos sobre este tema é enfrentarmos um retrocesso nas conquistas até agora realizadas, por não termos percebido a onda que se está a formar e, por isso mesmo, não termos adoptado qualquer medida para a desfazer.
Em termos gerais, o pedido que se deixa aqui ao Pai Natal sobre este tema é que não nos transforme a todos em censores, que cada um de nós, hoje em dia, não comece por pensar que talvez não deva dizer isto ou aquilo porque é politicamente incorrecto ou porque vai ser usado pelo grupo A ou pelo grupo B para as suas batalhas ou contra quem emitiu opinião. Temos de ser livres, e deixar que os outros o sejam também ou ficaremos também nós sem liberdade.
São desejos que aqui ficam de igualdade, liberdade e democracia. Feliz Natal. Ou teremos antes de dizer Boas Festas? São estes excessos, de até um simples Feliz Natal poder ser alvo de critica, uma importação dos Estados Unidos, que simbolizam estes tempos que queremos que o Pai Natal modere. Feliz Natal.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Eça no Panteão...