CARLOS FIOLHAIS - jornal Público |
Einstein disse um dia: “Nunca penso no
futuro. Ele não tarda a chegar.” E aí está, pontualmente, o futuro, com 2019 a
suceder a 2018. Na ciência haverá efemérides notáveis. A 29 de Maio fará cem
anos que, na ilha do Príncipe, então uma colónia portuguesa, foi observado um
eclipse solar por uma equipa britânica chefiada por Arthur Eddington que
permitiu comprovar a teoria da relatividade geral, publicada por Einstein
quatro anos antes. O Diário de Notíciastitulou poeticamente: “A luz
pesa.” Com efeito, as fotos do eclipse mostravam que os raios de luz vindos de
estrelas por detrás do Sol se curvavam ao passar perto deste. Passado um século,
acumulámos muitas outras provas de que aquela teoria descreve bem a força da
gravidade universal. Em 2017 o Nobel da Física foi para os físicos do
observatório LIGO, que detectaram pela primeira vez as ondas gravitacionais
provenientes de choques de buracos negros, que tinham sido previstas. Até agora
foram registados dez eventos desse tipo e outros decerto se seguirão. O LIGO
voltará a operar no início de 2019 e estão em construção vários observatórios
similares, que ouvirão mais “sons” cósmicos.
Outra efeméride
espacial será celebrada a 20 de Julho: os 50 anos dos primeiros passos do homem
na Lua, dados pelo norte-americano Neil Armstrong, comandante da Apollo
11. Como Eugene Cernan, astronauta da Apollo 17, foi,
em 1972, o último homem na Lua, o nosso satélite permaneceu sem presença humana
durante quase meio século. E não vai tê-la tão cedo. Talvez em 2030, uma vez
que existem projectos da Rússia, do Japão e da China (aposto que ganha a
China!). À Lua continuarão a chegar missões não tripuladas, como a
chinesa Chang’e 4, que pousará pela primeira vez no lado
escuro da Lua a 3 de Janeiro. Está em aberto uma competição para a chegada da
primeira missão privada à Lua, que se deve concretizar em 2019, tal como o
primeiro voo espacial privado em órbita terrestre. Marte, onde chegou
recentemente a missão robótica Insight da NASA para recolher
dados sísmicos, continua a ser um sonho adiado. A NASA tem planos para 2033,
mas são vagos.
2019 será, por decisão
da ONU, o Ano Internacional da Tabela Periódica, para comemorar os 150 anos da
proposta de ordenação dos elementos que foi feita pelo russo Dmitri Mendeleev
em S. Petersburgo. Uma conferência realizar-se-á nessa cidade a 26 de Julho,
sob os auspícios da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), que
celebrará cem anos num congresso em Paris uns dias antes. Em 1869 havia 63
elementos conhecidos, hoje há 118, que compõem toda a matéria conhecida na
Terra e no espaço. Há ainda a matéria escura, que ninguém sabe o que é, tal
como ninguém sabe o que é a energia escura, uma força antigravitacional que se
exerce a distâncias cósmicas.
Em 2019 haverá novos
avanços na genética (por um lado, está mais perto a meta dos 100 dólares para a
sequenciação completa do genoma humano e, por outro, a técnica CRISP oferece
possibilidades inauditas de edição genómica) e na inteligência artificial (os
algoritmos que já governam a nossa vida continuarão a crescer e a
multiplicar-se, provocando lentamente uma disrupção social). As preocupações
éticas, que excedem largamente a ciência, são prementes nessas áreas, exigindo
a nossa maior atenção.
Em Portugal, espera-se
que seja concluída a avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento
(I&D) que está em curso, emendando a vergonhosa avaliação anterior. E
espera-se que haja financiamento decente. A seu favor o ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, tem o bom encaminhamento da
questão do emprego científico. Contra si tem o crescimento apenas incipiente do
sistema científico nacional. Os dados de 2017 indicam que só 1,3% do PIB foi
aplicado em I&D (dos quais cerca de metade no sector privado), o que está
abaixo do pico de 2009 (1,6%) e da média da União Europeia (2,1%). A
convergência com a Europa é um imperativo. António Costa declarou em 2017 que a
meta para 2020 era 2,7% do PIB, mas, se não houver um esforço enorme nos
próximos dois anos, tal meta não será atingida. A Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT), com um aumento de 11% em relação ao ano passado, vai ter o
segundo maior orçamento de sempre, mas insuficiente para o objectivo
pretendido. A FCT apoiará em 2019 a criação da Agência Espacial Portuguesa, que
estimulará esforços privados para o lançamento de microssatélites na ilha de S.
Maria, nos Açores. É uma boa ideia para levantar Portugal.
Termino com duas
preocupações. Em primeiro lugar, precisamos de mais e melhor cultura
científica. José Mariano Gago percebeu que a ciência tinha de ter apoio social
e por isso criou a Agência Ciência Viva. Mas esta instituição, florescente no
início, tem estado sem a necessária dinâmica. Por exemplo, não está ainda
definido nem o comissário nem o programa nacional do Ano Internacional da
Tabela Periódica. E, para dar outro exemplo, são escassos os contributos que
tem dado à discussão pública sobre novas questões éticas emergentes, como as
que vêm da genética e da inteligência artificial. Já nem falo na falta de
resposta aos inimigos da ciência, que incluem políticos ignorantes (e há-os no
Parlamento português) e terapeutas alternativos (que pululam, com permissão
legal). Desejo que a Ciência Viva se torne mais viva.
A outra preocupação
diz respeito à Universidade de Coimbra, onde trabalho, que vai escolher um novo
reitor em Fevereiro. O mandato do actual frustrou as melhores expectativas,
designadamente com a queda progressiva na produção científica em relação às
outras universidades. Nos últimos cinco anos, a razão do número de publicações
por investigador a tempo inteiro dá um modesto 6.º lugar a Coimbra, com 2,7 (em
primeiro está Aveiro, com 4,4, seguindo-se o Porto, com 3,6, e a Nova, com
3,5). Coimbra também não tem nenhum highly cited researcher nos
últimos dez anos. O próximo reitor tem, neste como noutros sectores (o Museu da
Ciência é uma “pérola” abandonada), de fazer mais e melhor. Desejo que a Universidade
de Coimbra acorde.
Professor universitário
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