A nova
proposta de “reposicionamento” na carreira é um ardil arbitrário e injusto para
atacar os professores.
Quem tenha
acompanhado o comportamento negocial do Ministério da Educação após a
assinatura do compromisso estabelecido com os sindicatos, em 18 de Novembro de
2017, vê inflexibilidade e má-fé. Entre outras, duas questões são determinantes
no conflito latente, sendo que a ordem para as resolver não é arbitrária:
primeiro, o reposicionamento correcto na carreira (porque os professores
recém-vinculados não podem ser alvo das interpretações delirantes da secretária
de Estado Alexandra Leitão); depois (e só depois para não se amplificarem as
injustiças de reposicionamentos incorrectos), a recuperação do tempo de
serviço, como referido na declaração de compromisso e recomendado pela
Resolução n.º 1/2018, da Assembleia da República.
O Estatuto
da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e
Secundário diz, no número 3 do seu artigo 36.º, que o ingresso na carreira se
faz “no escalão correspondente ao tempo de serviço prestado em funções docentes
e classificado com a menção qualitativa mínima de Bom, independentemente do
título jurídico da relação de trabalho subordinado, de acordo com os critérios
gerais de progressão”. Parece-me um texto claro, à luz da semântica
linguística. Mas conhecendo a apetência da secretária de Estado Alexandra
Leitão para apresentar como girafas gatos a quem simplesmente puxou pelo
pescoço, percebo que queira colocar em escalões mais baratos os professores
recentemente integrados na carreira, depois de décadas de trabalho escravo em
funções docentes. O que não percebo é que sindicalistas experientes tenham
caído na armadilha de “delegar” no Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República a decisão sobre se o tempo de serviço antes da profissionalização
pode ser considerado para reposicionamento na carreira. Desconhecem, acaso, que
quando ouvimos dois juristas esperam-nos, pelo menos, três opiniões? Para quê
correr o risco de substituir factos por fictos?
A história
da aplicação do estatuto é a história da consideração de todo o serviço
docente, incluso o cumprido antes da profissionalização. Somar esse facto à
clareza do supracitado artigo teria sido evidência suficiente para uma posição
de força, negocial e ética, que não para a frouxidão das guerras de alecrim e
manjerona em que os sindicatos sistematicamente se envolvem e que terminam,
também invariavelmente, com a desistência no momento da ruptura clarificadora.
Foi assim com o “memorando de entendimento” de 2008, foi assim com o “acordo de
princípios” de 2010, foi assim com a greve à avaliação do 12.º ano no tempo de
Nuno Crato, está a ser assim com o compromisso de 18 de Novembro último.
Trata-se de efemérides com traços comuns; num primeiro momento, provisório, os
sindicatos parecem ganhar e o ministério consegue acalmar os ânimos das massas;
num segundo momento, definitivo, o ministério, com má-fé, impõe por lei o que,
anteriormente, tinha “acordado” ou “entendido” ser para negociar.
Findo o
encantamento nupcial com Tiago Brandão Rodrigues, finda a coreografia negocial,
traduzida em reuniões sem resultados, que se prolongam para além do que o senso
comum faria supor, perde a força da razão e ganha a razão da força. Soçobra a
coesão e substitui-se firmeza por frouxidão. A nova proposta de
“reposicionamento” na carreira é um ardil arbitrário e injusto para atacar os
professores. Mas a confusão que já introduziu serve bem a estratégia do Governo
para arrastar o processo e multiplicar os conflitos dentro da classe docente. A
resposta dilatada no tempo (12 a 16 de Março) e o instrumento escolhido no plenário
de 2 de Fevereiro (greve pingada por regiões, de duvidoso impacto) pode
prejudicar uma mobilização expressiva dos professores, num momento
particularmente grave.
Não, não é
discurso anti-sindicatos, que sem eles seria bem pior. É simples reconhecimento
do que tem sido e receio que volte a ser.
Professor do
ensino superior
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