João Miguel Tavares - jornal Público
Quem viu a solidez,
frontalidade e bons modos de António Domingues no Parlamento não pôde deixar de
concluir que ele foi uma excelente escolha para a Caixa.
5 de Janeiro de 2017
Passei metade do dia de ontem a assistir à
audição de António Domingues no Parlamento e fiquei ainda mais convencido de que a
verdadeira razão para a sua saída é uma e só uma: António Domingues padece de
excesso de profissionalismo. É como aquelas pessoas que vão a uma entrevista de
emprego e descobrem que têm demasiadas habilitações para o lugar. Nalguns países,
muito profissionalismo é óptimo. Em Portugal, é uma maleita, sobretudo quando
se trabalha para o Estado ou em áreas onde a interacção com o Estado é muito
forte. Um gestor que queira ser apenas gestor – ou seja, criar o máximo de
valor para o seu accionista a partir dos recursos que tem à disposição, com
independência e sem outras pressões que não os resultados financeiros – não vai
longe.
Está na moda dizer mal do capitalismo. Só que o
problema de Portugal é a falta de verdadeiro capitalismo. Falta gente que
queira ganhar dinheiro concorrendo num mercado livre, através de decisões
racionais e recursos privados. O que existe em Portugal é o capitalismo de
compadrio – gente que quer ganhar dinheiro manipulando um mercado controlado,
através de favores de amigos e recursos públicos. Estava a ouvir António
Domingues e a lembrar-me do tempo em que Zeinal Bava era o jovem prodígio da
PT, eleito melhor CEO da Europa no sector das telecomunicações em 2010 e em
2012. Não foram distinções injustas. Zeinal Bava era realmente bom. Ele fez um
trabalho extraordinário na expansão do cabo, sempre a liderar na inovação
tecnológica, e foi uma peça fulcral na construção do império que haveria de o
engolir. “Portugal também pode ter o seu Sillicon Valley”, dizia então Zeinal,
cheio de sonhos. Só que em vez de Sillicon Valley encontrou Ricardo Salgado. E
a conclusão óbvia a tirar seria esta: Zeinal escolheu mal; em vez de se manter
um gestor honesto e competente, optou por juntar-se ao lado negro da Força.
Conclusão óbvia, mas errada. O dilema fundamental é bem mais grave do que esse.
É saber se ele poderia algum dia ter feito a escolha certa e continuar a ser Zeinal
Bava, o CEO da PT. A minha desolada resposta é: não, não podia. Não era
possível estar à mesa dos grandes sem seguir as suas regras. Ninguém podia
sonhar com um Sillicon Valley português e ignorar Ricardo Salgado.
Fast-forward para 2016: António Domingues achou que
podia estar à mesa dos grandes na Caixa Geral de Depósitos e seguir novas
regras. Afinal, depois da intervenção da troika, Portugal teve de mudar alguma
coisa. Há mais vigilância e supervisão, logo, exige-se mais profissionalismo.
Mas mudar alguma coisa não é mudar tudo. Aquilo que aconteceu na CGD, como bem
resumiu José Gomes Ferreira, foi um “choque de culturas de gestão”. A entrada
de Domingues “assustou a classe política”. E como disse Pedro Santana Lopes na
SIC, ao lado de António Vitorino (o yin e o yang do statu quo), já era hora de
Domingues “desamparar a loja”. A loja, bem-entendido, dos seus velhos amigos,
que estavam a entrar em pânico com as reavaliações de activos e a nova política
de acesso aos créditos de risco. É essa loja que Domingues teve de desamparar.
Havia demasiado cheiro a independência no ar. E “a vida” – sábias palavras de
Mário Centeno – “é o que é”. Pois é. Quem viu a solidez, frontalidade e bons
modos de António Domingues no Parlamento não pôde deixar de concluir que ele
foi uma excelente escolha para a Caixa. Infelizmente, no país que temos, foi
uma escolha um bocadinho excelente demais.
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