ABERTO GONÇALVES Revista Sábado |
E
pronto: vem aí o sr. Trump, fanfarrão de poucos modos, poucas letras, muito
dinheiro e demasiadas frases no Twitter. Assustador? Depende. A democracia na
América é tão robusta que, ainda o homem não ocupou o cargo, já vai arranjando
maneira de o tornar digerível e, não tarda, desejável. Através dos famosos
"checks and balances", controlos e equilíbrios, pesos e contrapesos,
o "sistema" organicamente desatou a sugerir que embora o sr. Trump
não seja grande coisa, a verdade é que podia ser coisa bastante pior. Por
comparação às convicções e aos métodos de alguns dos seus opositores, o sr.
Trump é um mal pequenino. E, em política, um mal pequenino é quase um achado.
Comecemos
pelo longo inventário de "artistas" que recusaram cantar na gala inaugural.
É grave que nomes como Elton John, Céline Dion, os Kiss e Ricky Martin não
emprestem as vozes à legitimação do novo Presidente? Grave seria que
emprestassem. Sempre que o autor de Candle In The Wind fecha a boca, a
humanidade ganha, e o sr. Trump, responsável pelo abençoado silêncio, ganha a
dobrar.
E
há, a título simbólico, o discurso da actriz Meryl Streep quando, a 8 de
Janeiro, recebeu um prémio importantíssimo. Por algum motivo, a criatura
resolveu atacar a xenofobia do sr. Trump com o exemplo do meio cinematográfico,
que ela considera – segurem-se bem – "um dos grupos mais perseguidos na
sociedade americana". É apenas um caso, tipicamente amalucado, da soberba
de Hollywood, que lá porque produz fitas horrendas se julga incumbido de
iluminar os simples. Sempre que Hollywood designa um alvo, é provável que este
detenha virtudes insuspeitas.
E
há a marcha em Washington no próximo dia 21, exercício de afirmação dos
direitos das senhoras, das quais o sr. Trump, cujos divórcios enriqueceram várias,
é aparentemente inimigo. Enquanto marcham, milhares de mulheres tentarão
demonstrar que os milhões de mulheres que votaram no sr. Trump são idiotas.
Para provar que isto é sério, a teóloga Madonna publicou no Instagram a foto de
uma vagina depilada. Sempre que "activistas" de desmioladas
"causas" se empenham tanto contra alguém, é garantido que alguém não
é mau de todo.
E
há a lista crescente de congressistas que não enriquecerão a tomada de posse do
sr. Trump com a sua presença. Vistos à lupa, é tudo gente de princípios,
campeões das lutas civis e amigos do povo. Se, porém, o povo elege quem eles
não gostam, a civilidade cai de cama e os princípios sofrem forte abalo. Sempre
que grandes democratas só prezam um lado da democracia, é possível que o lado
restante tenha certa razão.
E
há, last and always the least, Obama. Em dois mandatos antecedidos de louvores
precoces e que prometiam uma discreta mediocridade, Obama preferiu o estrondo à
lamúria e, resumindo imenso, conseguiu aumentar as divisões sociais e raciais
nos EUA, trair países amigos, ceder a nações inimigas e passear pacifismo ao
mesmo tempo que fomentava guerras duvidosas. A lamúria guardou-a para o fim:
sempre que um líder se despede entre lágrimas, é plausível que o líder seguinte
seja menos embaraçoso. Sendo o sr. Trump, será o que Deus quiser. E o que, após
8 anos de erros sucessivos, Obama quis que fosse.
O
BOM
Luzes,
câmara, acção
Além
das notórias proezas perpetradas pelo dr. Costa na Índia, como visitar alegados
familiares, vestir farpelas catitas e homenagear mortos via Skype, falta
celebrar devidamente o interesse de Bollywood em filmar por cá. No fundo,
trata-se de aproveitar o que agora se chama "janela de oportunidade".
Enredos tontos? Temos. Cenários exóticos? Temos. Sentimentalismo? Temos.
Cantilenas a despropósito? Temos. Até temos abundância de canastrões, de que o
supracitado é mero exemplo. Bollywood, afinal, já era aqui. Os indianos é que
não sabiam.
O
MAU
Shutdown
político
Inspirado
pelo novo partido liberal, "uma startup política", cito, situada
"à direita de Costa e à esquerda de Passos", decidi enfim fundar o
meu próprio movimento. De início, ponderei enfiá-lo no espaço ideológico
localizado entre os pensadores vulgarmente associados à "direita" –
Marques Mendes, o causídico Júdice, a dona Ferreira Leite e um rapaz que treina
guarda-redes no Tondela – e a esquerda em peso. Mas não coube. Durante o
congresso inaugural, que decorrerá a bordo de um Smart (há lugares vagos),
tentarei amassá-lo até caber.
O
VILÃO
Descrispação
(sic)
Os
aliados do PS recusam aliar -se ao PS na curiosa questão da TSU; o PSD,
adversário do PS, também recusa. Primeira conclusão? A culpa é do PSD, que não
ajuda o PS que, mediante uma maioria "estável", lhe usurpou as
eleições e o Governo. Segunda conclusão? Os aliados do PS que discordam do PS
na questão da TSU estiveram bem ao atacar natural e subtilmente o PSD por
concordar com eles. Terceira conclusão? O PSD carece de um líder que saiba
valorizar os interesses do PS, perdão, do País. Epílogo? Passos Coelho está
arrumado.
Sem comentários:
Enviar um comentário