sábado, 28 de janeiro de 2017

A reabilitação do sr. Trump

ABERTO GONÇALVES
Revista Sábado
E pronto: vem aí o sr. Trump, fanfarrão de poucos modos, poucas letras, muito dinheiro e demasiadas frases no Twitter. Assustador? Depende. A democracia na América é tão robusta que, ainda o homem não ocupou o cargo, já vai arranjando maneira de o tornar digerível e, não tarda, desejável. Através dos famosos "checks and balances", controlos e equilíbrios, pesos e contrapesos, o "sistema" organicamente desatou a sugerir que embora o sr. Trump não seja grande coisa, a verdade é que podia ser coisa bastante pior. Por comparação às convicções e aos métodos de alguns dos seus opositores, o sr. Trump é um mal pequenino. E, em política, um mal pequenino é quase um achado.
Comecemos pelo longo inventário de "artistas" que recusaram cantar na gala inaugural. É grave que nomes como Elton John, Céline Dion, os Kiss e Ricky Martin não emprestem as vozes à legitimação do novo Presidente? Grave seria que emprestassem. Sempre que o autor de Candle In The Wind fecha a boca, a humanidade ganha, e o sr. Trump, responsável pelo abençoado silêncio, ganha a dobrar.
E há, a título simbólico, o discurso da actriz Meryl Streep quando, a 8 de Janeiro, recebeu um prémio importantíssimo. Por algum motivo, a criatura resolveu atacar a xenofobia do sr. Trump com o exemplo do meio cinematográfico, que ela considera – segurem-se bem – "um dos grupos mais perseguidos na sociedade americana". É apenas um caso, tipicamente amalucado, da soberba de Hollywood, que lá porque produz fitas horrendas se julga incumbido de iluminar os simples. Sempre que Hollywood designa um alvo, é provável que este detenha virtudes insuspeitas.
E há a marcha em Washington no próximo dia 21, exercício de afirmação dos direitos das senhoras, das quais o sr. Trump, cujos divórcios enriqueceram várias, é aparentemente inimigo. Enquanto marcham, milhares de mulheres tentarão demonstrar que os milhões de mulheres que votaram no sr. Trump são idiotas. Para provar que isto é sério, a teóloga Madonna publicou no Instagram a foto de uma vagina depilada. Sempre que "activistas" de desmioladas "causas" se empenham tanto contra alguém, é garantido que alguém não é mau de todo.
E há a lista crescente de congressistas que não enriquecerão a tomada de posse do sr. Trump com a sua presença. Vistos à lupa, é tudo gente de princípios, campeões das lutas civis e amigos do povo. Se, porém, o povo elege quem eles não gostam, a civilidade cai de cama e os princípios sofrem forte abalo. Sempre que grandes democratas só prezam um lado da democracia, é possível que o lado restante tenha certa razão.
E há, last and always the least, Obama. Em dois mandatos antecedidos de louvores precoces e que prometiam uma discreta mediocridade, Obama preferiu o estrondo à lamúria e, resumindo imenso, conseguiu aumentar as divisões sociais e raciais nos EUA, trair países amigos, ceder a nações inimigas e passear pacifismo ao mesmo tempo que fomentava guerras duvidosas. A lamúria guardou-a para o fim: sempre que um líder se despede entre lágrimas, é plausível que o líder seguinte seja menos embaraçoso. Sendo o sr. Trump, será o que Deus quiser. E o que, após 8 anos de erros sucessivos, Obama quis que fosse.

O BOM
Luzes, câmara, acção
Além das notórias proezas perpetradas pelo dr. Costa na Índia, como visitar alegados familiares, vestir farpelas catitas e homenagear mortos via Skype, falta celebrar devidamente o interesse de Bollywood em filmar por cá. No fundo, trata-se de aproveitar o que agora se chama "janela de oportunidade". Enredos tontos? Temos. Cenários exóticos? Temos. Sentimentalismo? Temos. Cantilenas a despropósito? Temos. Até temos abundância de canastrões, de que o supracitado é mero exemplo. Bollywood, afinal, já era aqui. Os indianos é que não sabiam.

O MAU
Shutdown político
Inspirado pelo novo partido liberal, "uma startup política", cito, situada "à direita de Costa e à esquerda de Passos", decidi enfim fundar o meu próprio movimento. De início, ponderei enfiá-lo no espaço ideológico localizado entre os pensadores vulgarmente associados à "direita" – Marques Mendes, o causídico Júdice, a dona Ferreira Leite e um rapaz que treina guarda-redes no Tondela – e a esquerda em peso. Mas não coube. Durante o congresso inaugural, que decorrerá a bordo de um Smart (há lugares vagos), tentarei amassá-lo até caber.

O VILÃO
Descrispação (sic)
Os aliados do PS recusam aliar -se ao PS na curiosa questão da TSU; o PSD, adversário do PS, também recusa. Primeira conclusão? A culpa é do PSD, que não ajuda o PS que, mediante uma maioria "estável", lhe usurpou as eleições e o Governo. Segunda conclusão? Os aliados do PS que discordam do PS na questão da TSU estiveram bem ao atacar natural e subtilmente o PSD por concordar com eles. Terceira conclusão? O PSD carece de um líder que saiba valorizar os interesses do PS, perdão, do País. Epílogo? Passos Coelho está arrumado.


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