Neste país respira-se muito melhor do que
em 2008 ou 2009, mas as contas dos anos Sócrates ainda estão por fazer.
Toda a gente pergunta como é possível a
investigação a José Sócrates estar a demorar tanto tempo. É muito fácil de
explicar. Em primeiro lugar, porque o poder político em Portugal nunca se
mostrou realmente interessado em combater a corrupção. As leis que regulam o
seu combate são péssimas para os polícias e excelentes para os ladrões. Em
segundo lugar, porque aquilo que o Ministério Público está a investigar não é
uma simples ocorrência, um acto de corrupção, mas sim um método de agir em
inúmeros negócios, o que são coisas completamente diferentes. Estamos a falar
na possibilidade de Sócrates ser o maior criminoso político da História da
democracia portuguesa, coisa que não parece impressionar por aí além todos
aqueles que acham mais graves as indirectas de Carlos Alexandre do que as
explicações ridículas de José Sócrates sobre a origem do seu dinheiro.
Sócrates dá entrevistas e escreve
depoimentos a queixar-se de que o Ministério Público primeiro andava a
investigar o favorecimento do grupo Lena, depois o empreendimento de Vale do
Lobo e que agora já está na PT. Que é como quem diz: o Ministério Público não
encontrou nada e anda desesperado à pesca de qualquer coisa. Estranhamente, ou
talvez não, nem José Sócrates nem os seus muitos amigos que continuam
espalhados pela política, pelas empresas e pelos jornais admitem a hipótese de
não ser “isto ou aquilo”, mas sim de ser “isto e aquilo”. Não se tratam de
conjuções alternativas, mas de conjunções copulativas: é o grupo Lena, é Vale
do Lobo e é a PT. Como antigamente era a Cova da Beira, era o Freeport e era o
Face Oculta. Não há aqui nenhuma novidade. Há muito que muita gente alertava
para o percurso, para a postura e para as tentações de José Sócrates. Esta
investigação é apenas a confirmação de um infindável rol de suspeitas em
relação às quais ele sempre se justificou com os mesmos adjectivos canalhas que
continua a utilizar.
É verdade que o Ministério Público podia
ter optado por avançar com uma acusação de fraude fiscal e branqueamento de
capitais, para a qual já deve ter prova suficiente. Os investigadores quiseram
ser mais ambiciosos e não deixar cair a corrupção – que é obviamente o que está
em causa, mas que se fosse fácil de provar há muito que dezenas de políticos
estariam presos. Não é. A lei portuguesa faz distinções obscenas, como a
corrupção para acto lícito e para acto ilícito, apenas para facilitar a
prescrição dos processos, e de cada vez que se fala na hipótese da delação
premiada, sem a qual jamais haveria operação Lava-Jato, ou na criminalização do
enriquecimento ilícito, há mil vestes que se rasgam – as mesmas que depois se
queixam dos “casos” e dos “negócios” que morrem nos tribunais.
Neste país respira-se muito melhor do que
em 2008 ou 2009, mas as contas dos anos Sócrates ainda estão por fazer. Na
política e nos jornais, os seus viúvos continuam por aí, e o número de textos
que escrevem a criticar o Ministério Público é proporcional ao número de textos
que não escrevem criticando o comportamento de Sócrates ou os anos que levaram
a apoiá-lo. Em nome de belos princípios, limitam-se a defender os seus almoços
e as suas opiniões entre 2005 e 2011, fazendo todos os dias figas para que a
investigação falhe redondamente. A derrota do Ministério Público seria para
eles a vitória dos seis anos de mediocridade e autoritarismo que nunca se
cansaram de patrocinar. O destino de Sócrates apenas lhes interessa porque é
também o seu.
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