É ridículo ter de o lembrar, ainda por
cima num país ocidental e hoje distante da barbárie que regulamenta a matéria
por exemplo no exótico islão, mas o que cada um faz na cama, sozinho ou com o
consentimento do parceiro ou parceira, no singular e no plural, só aos próprios
respeita. Fora da cama (ou do balcão da cozinha, do banco do carro, do jacúzi,
dos lavabos nos aviões, etc. - as opções são inúmeras), cabe aos próprios
escolher se mantêm o recato ou se caem no mau gosto de gritar intimidades ao
mundo. Não cabe a terceiros, incluindo, sobretudo, a alguém que se diz
jornalista.
E se alguém que se diz jornalista revelar
em livro os hábitos sexuais de pessoas sem a respectiva aprovação? No mínimo, a
proeza é um nojo. E um nojo que diz muito mais sobre quem comete a indiscrição
do que sobre as suas vítimas. Não é particularmente relevante que a inclinação
em causa seja a homossexualidade, embora seja notável que o outing, o processo
em que gays expõem à bruta gays que preferiam omitir o pormenor, se assemelhe
frequentemente a um castigo, uma humilhação pela orientação
"desviante", e não a uma condecoração simbólica (que de resto seria
igualmente cretina).
Pois bem, em Portugal alguém que se diz
jornalista cometeu e publicou uma coisa assim. Sob o "estatuto",
pessimamente amanhado, do estudo historiográfico, a coisa não passa de uma
devassa da privacidade alheia. Repleta de fontes protegidas e de nomes
escancarados pelas fontes, esse monumento ao voyeurismo e à falta de escrúpulos
dedica-se a inventariar - ou talvez a inventar - dezenas ou centenas de
homossexuais que nunca o "assumiram" (para usar um termo em voga
entre os profissionais da delação). Não sei se se trata de um crime, ou sequer
de algo inédito em Portugal. Sei que ajuda à consagração da canalhice como modo
de vida.
Para registo futuro, e prevenção
sanitária, a criatura que se diz jornalista chama-se São José Almeida e, quando
não se encontra a farejar sodomitas do "fascismo", assina textos
ilegíveis no Público. A obra, no sentido escatológico da palavra, chama-se
Homossexuais no Estado Novo e foi lançada em 2010 sem qualquer escândalo e
perante a ocasional crítica entusiástica - o título e as simpatias ideológicas
da autora explicam as reacções. Em 2016, o escândalo, até agora em repouso,
irrompeu por causa do recente livrinho de José António Saraiva.
A acreditar na imprensa, e descontadas
intrigazinhas menores, o livrinho "desvenda" a homossexualidade de
uma única "figura pública", aliás já insinuada por gente do calibre
de Ana Gomes e Francisco Louçã. Repito, para fintar eventuais gralhas: uma. O
livro é uma porcaria? Não li e não duvido, mesmo que no verdadeiro esterco
estejam aqueles que louvaram a ETAR da dra. São José para se horrorizarem
imenso com o baldinho de lixo do arq. Saraiva. A propósito das diferenças,
convém acrescentar que a ETAR mereceu apresentação de duas valentes
"activistas" LGBT, enquanto o baldinho pode vir a ser apresentado
(porquê, Deus meu?) por Pedro Passos Coelho. Nestas "temáticas", no
fundo pretexto para servir outras, o direito à diferença é fundamental. E do
dever da pulhice nem se fala.
Sexta-feira, 16 de Setembro
Uma semana em Portugal
Uma das gémeas Mortágua, família cuja
notoriedade define o país, mostrou quem realmente governa isto e anunciou um
novo imposto sobre o património imobiliário ("para apanhar quem escapa ao
IRS"). O PCP, que em matéria de assaltos não gosta de ficar à porta e
invade furioso a horta, quer alargar o imposto ao património mobiliário, ou
seja colocar a mão literalmente na massa. A CGTP, que lutou pela "escola
pública" (?), luta agora pelos trabalhadores despedidos dos colégios
privados que se empenhou em fechar. O secretário de Estado que viajou à conta
da GALP não se demite do cargo mas demite-se de tutelar a GALP. O Presidente
dos "afectos" ouviu um par de "homólogos" estrangeiros
jurarem-lhe pela pujança da economia indígena e não percebeu o sarcasmo. O -
passe a expressão - primeiro-ministro exibiu o imaginário que lhe habita a
cabecinha e, em momento de típica erudição, sugeriu a Pedro Passos Coelho que
vá caçar Pokémons. O - desculpem o termo - ministro das Finanças, que cá dentro
compete em boa disposição com o dr. Costa, andou lá fora a jurar que trabalha
imenso para evitar um segundo "resgate", que na verdade seria o
quarto. Os portugueses que ainda não enlouqueceram já nem duvidam da
necessidade do resgate, mas duvidam que o tenhamos quando precisarmos dele.
O problema é que os portugueses que ainda
não enlouqueceram são uma minoria de resistentes. E um problema maior é que,
aos poucos, a resistência perde razão de ser: a cada semana, o ambiente em
curso convida à resignação e ao abandono. De acordo com as sondagens, cinquenta
e tal por cento dos cidadãos registam os sinais e acham que a coisa vai no bom caminho.
No meio da desagregação geral, a opinião publicada aflige-se com a entrevista
de um juiz (pretexto para exaltar o eng. Sócrates), as memórias de um antigo
assessor (pretexto para criticar Cavaco) e os mexericos do arq. Saraiva
(pretexto para demolir Passos Coelho). Portugal é uma casa em chamas onde os
moradores só se preocupam com a fechadura que range. Não tarda, estamos a olear
a porta reduzida a cinzas. E a culpar a "direita", a
"Europa" e a Via Láctea pelos estragos. A Via Láctea não é nossa amiga.
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