ALBERTO GONÇALVES
in: Diário de Noticias
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Há
muitas páginas escritas sobre a função do riso em situações trágicas. E há
quase tantas páginas escritas sobre o que acontece quando a tragédia é o
comunismo e os infelizes que o sofrem recorrem ao humor para mitigar o
infortúnio. A URSS, onde o género era, com o extermínio, das raras indústrias
eficazes, é o caso clássico - e extremo (Como é que lidam com as infestações de
ratos no Kremlin? / Põem um cartaz a dizer "Quinta Colectiva". Metade
morre de fome e a metade restante foge num ápice). De 1917 a 1989,
produziram-se, no devido anonimato, largos milhares de anekdoty sobre a miséria
em vigor e os psicopatas que a impunham (Lenine morreu, mas a sua causa viverá!
/ Por acaso, eu preferia ao contrário).
No
meio da opressão, o contraste entre os objectivos proclamados dos regimes
marxistas e os seus grotescos resultados favorece a galhofa melancólica: se rir
não é o melhor remédio, é frequentemente o alívio possível. Assim foi na URSS,
assim foi nos "satélites" da URSS e nas metástases do Terceiro Mundo,
e assim é e será em todas as desafortunadas "experiências"
semelhantes. Há meses, a revista New Yorker compilou diversas anedotas
representativas da sobrevivência na Venezuela, o farol dos povos do século XXI.
Eis uma. Cansado de esperar em fila por alimentos básicos, um homem diz ao
amigo que vai matar o presidente Maduro. Horas depois, regressa.
"Conseguiste?", pergunta o amigo. "Não, a fila era ainda
maior..."
Um
país sabe que iniciou a descida aos abismos sem retorno previsto no momento em
que as piadas acerca dos senhores no poder se multiplicam diária e
exponencialmente. Um país sabe que caminha para o comunismo sempre que as
piadas têm graça. O exemplo português é o mais recente de uma longa série de
calamidades históricas. E um dos mais fulminantes: algumas semanas chegaram
para que uma maioria parlamentar alucinada, um governo de desavergonhados e a
curiosa nulidade que preside ao arranjo nos orientassem rumo ao desastre. Cada
dia, enquanto os serviçais da nulidade exaltam o progresso e culpam tudo o que
se move pelo atraso, Portugal retrocede um trimestre ou dois, proeza que não
tarda a elevar-nos ao glorioso panteão dos indigentes da Terra. O humor, uma
óptima resposta e um péssimo sinal, também não tardou.
Um
destes dias, o pequeno autarca transformado em Grande Líder por seitas de
irresponsáveis naturalmente acrescentou pedagogia ao destrambelhamento
económico. Decidido a justificar o saque fiscal para satisfazer clientelas, o
dr. Costa recomendou que não fumássemos, não andássemos de carro e não
contraíssemos empréstimos. Antes que divagasse contra o álcool, o bife e a água
quente, certos cidadãos menos anestesiados criaram no Twitter a conta Costa,
Primeiro, na qual se sugeriam novos conselhos de Sua Excelência e inspiraram a
proliferação da hashtag #ConselhosDoCosta: "Não gaste de uma vez os 60
cêntimos de aumento nas pensões"; "Poupe no IMI e more numa
tenda"; "Ande à chuva de boca aberta"; "Acorde tarde e
salte uma refeição"; "Diga sim à eutanásia"; "Aproveite as
inundações e desloque-se de canoa"; "Use o Wi-Fi do vizinho
rico"; "Trabalhe 45 horas e evite os custos das 35 da função
pública"; "Faça xixi no banho e economize no autoclismo"; etc.
E
é isto. Encontrámo-nos em via acelerada para o tipo de sociedade em que apenas
as graçolas nos protegem da insanidade e da prepotência. Trata-se, claro, de
uma protecção em última instância inútil, e em primeira débil: por
"violação das regras", a referida conta depressa desapareceu do
Twitter. O comunismo garante a liberdade de expressão, não a liberdade após a
expressão - já rezava a anedota, e bem precisamos que as anedotas rezem.
Quarta-feira,
10 de Fevereiro
Marcados
pelo ócio
Eles
reuniram-se em Berlim. Eles vão "agitar a Europa, de forma gentil mas
firme". Eles prometem "voltar a pôr o demo na democracia", já
que o continente "ou se democratiza ou se desintegra". Eles exigem
"transparência". Eles têm um manifesto com quatro princípios:
"Nenhum europeu será livre enquanto a democracia de outro for violada;
nenhum europeu pode viver com dignidade enquanto a dignidade de outro for
negada; nenhum europeu pode desejar prosperidade se outro for forçado a uma
insolvência e depressão permanentes; nenhum europeu pode crescer sem bens
básicos para os cidadãos mais frágeis." Eles dirigem-se "principalmente
aos que estão cansados da política, que estão deprimidos e optam por ver
reality shows na televisão para tentar esquecer os seus problemas". Eles
são o Movimento para a Democracia na Europa 2025 (DiEM 25), lançado pelo
pensador grego Varoufakis e por sumidades políticas de diversos países, tão
relevantes que os partidos que formaram ou apoiam nem conseguiram ser eleitos para
os respectivos parlamentos.
Mudando
de assunto, conheci em tempos um sujeito que passava os dias de fato de treino
num café da vizinhança, a conspirar a tomada de Olivença. Depois vieram os
enfermeiros, levaram-no de forma gentil mas firme e impediram o ataque
decisivo.
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