André Azevedo Alves - in: Observador
Não
aprender nada com os erros cometidos então não é apenas incompetência,
irresponsabilidade e cegueira ideológica: é uma conduta de profundo desrespeito
pelos portugueses e de traição a Portugal
A
tempestade que era possível prever no final de 2014 e que já pairava sobre Portugal em Outubro de 2015 começou esta semana a abater-se sobre o país. A
“geringonça” orçamental desbaratou em poucos dias a (frágil)
credibilidade externa duramente acumulada ao longo dos últimos quatro anos,
descredibilizou o país face aos seus credores, assustou os investidores e fez
disparar os juros.
Nada
que constitua surpresa num governo que, como bem realçou Rui
Ramos, se encontra dependente da assistência política da extrema-esquerda para
governar um país dependente da assistência financeira da UE. Mas, ainda que a
triste novela a que estamos a assistir não possa ser considerada inesperada,
ela é pelo menos frustrante. É difícil aceitar que, pouco mais de quatro anos
depois de terem conduzido Portugal à bancarrota e a um pedido de assistência
externa, muitos dos mesmos protagonistas políticos estejam a repetir
basicamente a mesma receita para um segundo desastre anunciado.
Por
muito que os entusiastas da “geringonça” e do “tempo novo” resistam a enfrentar
a realidade, a verdade é que não há mesmo dinheiro para pagar mais socialismo. Repetir as mesmas políticas (inimigas do
investimento, destruidoras da confiança, orçamentalmente irresponsáveis e
profundamente estatistas) e esperar que desta vez o resultado seja diferente do
anterior (a falência) é, no mínimo, pouco inteligente.
“Há oito anos, com o mundo à beira do abismo, o nosso
Orçamento do Estado para 2009 continha “o maior aumento à função pública desde
2001”, como titulava o DN de 15 de Outubro de 2008. No dia seguinte, também o
DN assegurava que as “prestações sociais têm maior subida desde 2003”. Os
tempos mudam mas as políticas mantêm-se e, apesar da instabilidade financeira
mundial, o Orçamento para 2016 promete coisas parecidas. O resultado não pode
ser muito diferente. Na altura o défice previsto no documento era de 2,2% do
PIB para 2009, igual ao indicado para este ano. É bom lembrar que o verdadeiro
valor verificado há sete anos acabou por ser de 9,8%.”
Uma
situação que é agravada em 2016 por o governo aparentar funcionar sem ministro
das Finanças. Mário Centeno, uma figura respeitável no panorama académico
nacional mas notoriamente sem peso para se impor à máquina do PS, parece ser um
mero figurante desorientado num meio que lhe é estranho. Sucessivamente
desmentido e desautorizado publicamente, foi certamente com pesar e alguma
vergonha que se viu forçado a apresentar às instituições europeias documentos
pouco credíveis e mal fundamentados.
Ironicamente,
na esfera do actual governo, é até um deputado eleito (como independente) pelas
listas do PS – Paulo Trigo Pereira – quem tem conseguido dar mostras de alguma
liberdade de espírito e independência intelectual, não obstante a sua condição.
Face às últimas semanas, é aliás difícil não pensar que o país estaria, apesar
de tudo, melhor se a pasta das Finanças tivesse sido entregue a Trigo Pereira
em vez de a Centeno.
Mas
mais do que o caso pessoal do ministro das Finanças, o que está em causa é o
país e a repetição do lamentável caminho que conduziu à bancarrota e
consequente pedido de resgate externo em 2011. Não aprender nada com os erros
cometidos então não é apenas incompetência, irresponsabilidade e cegueira
ideológica: é uma conduta de profundo desrespeito pelos portugueses e de
traição a Portugal.
Professor
do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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