23/02/2016 – jornal Público
Os
socialistas continuam a agir como se se considerassem donos naturais do regime.
Em
Março de 2001, o bastonário da Ordem dos Advogados, António Pires de Lima (pai
do ex-ministro da Economia), criticou de forma violenta o governo socialista e
a sua política de justiça, então sob o comando do ministro António Costa. Dias
depois, num encontro de militantes e autarcas socialistas, um possante Jorge
Coelho cunhava uma expressão que ficou para a História da política portuguesa:
“Quem se meter com o PS leva!”
Se
recordarmos que naquela época também José Sócrates era ministro do governo de
António Guterres, temos de concluir que toda uma geração de políticos
socialistas levou muito a sério as palavras de Coelho, num exercício
progressivamente trauliteiro que atingiu o seu apogeu no reinado do “animal
feroz”. Augusto Santos Silva resumi-lo-ia de modo exemplar em 2009: “eu cá
gosto é de malhar na direita”. Claro está que depois da tragédia de 2011 uma
pessoa ponderada acharia que os socialistas iriam repensar o estilo e cortar na
arrogância. Erro nosso. Não por acaso, António Costa sempre se recusou a seguir
os passos de António José Seguro na tentativa de se afastar do legado do seu
antecessor. Costa também gosta de malhar.
E
assim, os tiques arrogantes perpetuam-se e os socialistas continuam a agir como
se se considerassem donos naturais do regime, assumindo o desejo de tomar o
Estado de assalto com espantoso despudor. Os resultados das últimas eleições
colocaram o PS numa posição de fragilidade política, mas nem isso levou o
governo de António Costa a ser mais prudente na sua acção. O governo passou a
regoverno com um entusiasmo extraordinário, demoliu o esforço de ajustamento de
quatro anos, e agora começa a atirar-se impiedosamente a todos aqueles que não
prestam vassalagem ao novo poder socialista. Isto não vos faz lembrar nada?
Vejo,
por isso, com surpresa todos aqueles que – como Nicolau Santos, Raul Vaz ou,
neste mesmo jornal, Pedro Sousa Carvalho – defenderam que António Costa tem
toda a razão nas críticas que fez a Carlos Costa e que a este só lhe resta
demitir-se. A lista de críticas que podem ser feitas a Carlos Costa desde que
subiu à liderança do Banco de Portugal em 2010 (nomeado por um governo PS,
convém recordar) é com certeza maior do que a minha lista mensal de
supermercado. Só que não é isso que está em causa. O que está em causa é a
preservação da independência do Banco de Portugal em relação ao poder político,
um valor que é muito superior ao nível de competência do seu actual governador.
António Costa não pode dizer o que disse em público. Os governadores passam mas
as instituições ficam – e é por isso que nunca se viu, a não ser em países sob
o domínio de extremas-esquerdas ou de extremas-direitas, estes ataques descabelados
a um banco central.
Pior:
isto não é um acaso, mas um estilo. Há dias João Soares teve uma atitude
semelhante em relação ao presidente do CCB, aconselhando António Lamas a tirar “as devidas consequências” após o anúncio da extinção do plano Belém-Ajuda. Esta forma de pôr os patins
em público a quem discorda do PS é um estilo que vem de longe – é, a bem dizer,
uma variação do “ó sr. guarda, desapareça!”, popularizado pelo papá Soares em
1993. Que ele volte a ser praticado à frente do nosso nariz após seis anos de
socratismo, e que já haja tanta gente a encolher os ombros como se fosse coisa
normal, mostra bem as dificuldades que temos em aprender com o passado, e a
razão por que estamos condenados a repetir sempre os mesmos erros no presente.
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